“Maria, Maria, é o som, é a cor, é o suor, é a dose mais forte e lenta, de uma gente que ri quando deve chorar e não vive, apenas aguenta, mas é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre, quem traz no corpo a marca, Maria, Maria, mistura a dor e a alegria (…)” Milton Nascimento
Não são raras as vezes que ficamos sabendo e vivenciamos as dificuldades de sermos mulheres em um país como o nosso.
Entrevistas de emprego: “É casada? Tem filhos? Se ficarem doentes ou não tiverem aula como você fará? Se formos viajar a trabalho, como você fará? Terá problemas com marido? Com quem deixará os filhos? Se concentrará no trabalho?” Quase uma inquisição, né? Aí a mulher é solteira: “E se você se casar, como fará na gestação? Se tiver filhos, já tem planos para quem ficará com eles para que você trabalhe? Seu futuro marido se opõe à ideia de você trabalhar?”, aí você passa dos 40 anos: “Você está se atualizando? Você consegue viajar e se precisar fazer mais horas de trabalho?” e PASMEM, muitas vezes a vaga fica com um homem, até menos qualificado e com filhos e esposa.
E roupas que definem o caráter, a personalidade e o quão ‘fácil’ é a mulher? Short curto, cropped, top, calça justa, saia curta, dentre outros passam a imagem que estão e são fáceis e estão “à procura”. Se sofrerem abuso e estiverem com roupas como as citadas acima e tiverem bebido, serão questionadas e julgadas, afinal de contas, “procuraram”, né? Podiam ter e vestido com roupas mais adequadas, menos vulgares e ficaram ‘dando mole’ pro ‘pobre rapaz’ que não escutou um milhão de “nãos” que foram ditos. Apesar do não, a roupa dizia ‘sim’. AI GENTE, O QUE É ISSO?
Sexta faleceu Marília Mendonça e o editorial de um jornal de abrangência nacional ao invés de ressaltar a perda de uma vida, um filho que está sem a mãe, um talento em ascensão (26 anos de idade), uma filha que se vai, uma irmã, uma tia, uma pessoa, uma profissional excelente no que fazia, ressaltou que sua imagem corporal (peso) não era propriamente o que se esperava dela para o mercado em que atuava (cantar) e que ela lutou contra a balança e emagreceu. Recordista em público, premiada tão nova, simpática, atenciosa com fãs, politizada, bonita sim, acima do peso a partir de um conceito tosco de que mulher tem de usar manequim 38, ser esguia, cabelos lisos, bem arrumados, loiros preferencialmente, não se manifestar muito sobre política, não deixar os anos que passam serem notados (devem parecer sempre estar com 25 anos de idade). Um cabelo branco, uma estria, uma celulite, óculos de grau, sair sem maquiagem, sem unha feita, falar um palavrão, beber, usar roupas confortáveis ou peça sexy é interpretado como algo reprovável.
Mulheres em cargo de chefia, que dão ordens, tomam decisões, precisam ser enérgicas, são raras e quando agem assim estão na TPM, são loucas, mal amadas, estão precisando de um homem…
Que difícil é ser mulher, não?
2021, quase 2022 e se tentássemos mudar isso? E se começássemos a olhar para mulheres e homes de forma igual. Ambos podem e devem ter carreira, se vestir como se sentem bem, ter dias bons e ruins, perder ou ganhar peso, ter filhos e família, ambos têm capacidade para serem excelentes profissionais se houver dedicação e estudo e nenhum está pedindo para ser abusado sexualmente dependendo da roupa que estiver usando.
Podemos começar a mudar? Que tal já?
Encerro com um convite a reflexão: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher.” Simone de Beauvoir