“Mas é claro que o sol vai voltar amanhã, mais uma vez, eu sei escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã, espera que o sol já vem. Tem gente que está do mesmo lado que você, mas deveria estar do lado de lá, tem gente que machuca os outros, tem gente que não sabe amar (…)” Mais uma vez – Renato Russo
Dias sombrios, meses sombrios, por que não dizer anos sombrios os que vivemos, né? Fomos endurecendo, fomos perdendo a ternura, fomos perdendo a compaixão, fomos nos tornando frios e indiferentes, cruéis e amargos, nossa empatia desceu e desceu e desceu.
Não é raro presenciarmos no semáforo pessoas pedindo dinheiro, alimento, coberta, blusa e se quer serem notadas, é como se nada estivesse ali, como se uma enorme massa invisível estivesse em nossos vidros clamando por misericórdia. Existem também aqueles que são “empreendedores” em seus comentários: “carpir um lote não quer, né, mas pedir quer…”, sim, caríssimos, deve ser muito gostoso ficar se humilhando por dez centavos, andando de carro em carro, pedindo de vidro em vidro… Não se iludam! Não se pode carpir um terreno se não existe a oportunidade, não se pode carpir um terreno com fome, doente, sem ter dormido, passando frio. Temos também os preocupados com o vício dos moradores de rua: “áh, não ajudo não, dou dinheiro e ele sai comprar um monte de drogas e eu acabo sustentando o tráfico”, jura mesmo que você acredita que seus DEZ CENTAVOS compram drogas e sustentam o tráfico de drogas no país?! Sério isso?! Mais fácil dizer: não ajudo porque não quero, ponto final. Se sua consciência fica em paz com a fome, frio e miséria de alguém, só não ajude, mas não julgue, não encontre desculpas. Diga NÃO e somente.
Redes sociais ao invés de nos aproximarmos de amigos distantes, de pessoas queridas, nos ajudarem a conhecer ao outro, servem (não para todos, mas para muitos) para destilar veneno, fofoca, ódio, mentiras. Quanta mentira e quanta fofoca cabe numa rede social, mas pior que isso, quanto ódio e quanta intolerância! Será que precisaríamos perdermos o direito de ter redes sociais por comportamento inadequado? Nossa! Seria necessário isso? Esses dias li em algum local, um moço bem sem noção e conhecimento do porque se comemora o ‘Orgulho LGBTQIA+” perguntar à uma grande indústria cervejeira: “E criar uma data para o orgulho hétero, vocês não vão, não?” e o MKT da Indústria: “Não vamos!”. MELHOR RESPOSTA que poderia ter sido dada. Se comemora o orgulho LGBTQIA+ pela dificuldade de resistir ao preconceito, pelo orgulho de poder amar quem se ama sem precisar se explicar, fugir, apanhar ou morrer. Se comemora essa data, por conta da Rebelião de Stonewall, marcada por manifestações espontâneas de membros da comunidade LGBTQIA+ contra uma invasão da polícia de Nova York que aconteceu nas primeiras horas da manhã de 28 de junho de 1969, no bar Stonewall Inn, localizado no bairro de Greenwich Village, em Manhattan, em Nova York, nos Estados Unidos. Poucos estabelecimentos recebiam pessoas abertamente homossexuais nos anos 1950 e 1960. Aqueles que faziam isto eram, frequentemente, bares, embora os donos e gerentes raramente fossem gays. Depois de Stonewall, a comunidade LGBTQIA+ em Nova York ainda enfrentou obstáculos geracionais e de gênero, raça e classe social para se tornar uma comunidade coesa. Então, não há sentido fazermos um dia do ‘orgulho hétero’, visto que heterossexuais podem amar, podem beijar, podem casar, podem adotar filhos, podem sair abraçados às ruas, sem medo de serem héteros. Não há bares que impedem héteros, há?
Por que não permitimos que a comunidade LGBTQIA+ seja feliz, livre, se beije, namore, se case e tenha filhos? Por que nos ‘agride tanto’? Por que o amor nos agride e o ódio não?
Por que será que fechar o vidro do carro, ofender, queimar os pertences ou o próprio morador de rua não nos assusta mais do que olharmos com ‘nojinho’ para casais com orientação sexual que não a heterossexual? Como fomos capazes de endurecer tanto?
Como pudemos normalizar a comunidade indígena sendo morta porque ocupam SEU TERRITÓRIO, porque vivem sua vida, têm seus costumes e crenças e alguns latifundiários e participantes do agronegócio queriam que eles não estivessem ali, para lotear, vender, usar e lucrar… como assistimos a isso e não nos indignamos e mobilizamos para mudar essa realidade?
Como é que nós assistimos a escândalos com a venda/compra de vacinas, com aplicação de vacinas fora do prazo de validade e não conseguimos nos mobilizar tanto quanto nos mobilizamos para falar e agir contra a comunidade LGBTQIA+ ou moradores de rua ou minorias, em geral. Não nos choca vermos um preto morrer, ser violentado ou humilhado, ser revistado ou acusado injustamente, mas nos causa estranheza vê-lo médico, engenheiro, rico, bem sucedido, muito estudado, por que?
Que possamos refletir sobre nós, nossas ações, nossos comportamentos em rede social e fora dela, nossos julgamentos, nossa maldade, nosso preconceito e quem sabe mudar, quem sabe melhorar, nos tornar pessoas melhores, fazer de nosso país melhor.
Encerro com um convite a reflexão a partir de uma frase de Guimarães Rosa: ‘Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?”.