O Tribunal de Justiça (TJ) manteve a condenação contra a médica C.F.D.B. que, pelo período de um ano, atuou como servidora pública em Limeira (SP) e em Martinópolis, inclusive com cartão-ponto assinado nos mesmos horários nas duas cidades. A médica recorreu da decisão inicial, mas não conseguiu reverter a condenação.
Ela foi processada duas vezes, uma delas pela Prefeitura Municipal de Martinópolis e a outra, pelo Ministério Público (MP). O Executivo foi à Justiça com uma ação civil pública de ressarcimento ao erário. A médica foi aprovada em concurso público daquela cidade para atuar como neuropediatra e exerceu o cargo no período de 25 de maio de 2010 a 20 de junho de 2011.
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) identificou o erro e julgou ilegal a admissão da médica porque descobriu que ela exercia, cumulativamente, cargo público também de médica em Limeira, onde cumpria jornada de quatro diárias, ou seja, a mesma prevista para ser exercida em Martinópolis. Na denúncia, o Município informou que era “impossível o exercício conjunto de ambas as funções, dada a distância de 450 km que separa as mencionadas cidades” e pediu o ressarcimento de R$ 21.778,81, atualizado até outubro de 2016, referentes aos valores pagos pelo serviço. Já o MP, também acusou a médica por ato de improbidade administrativa, enriquecimento ilícito e lesão ao erário.
Na decisão de primeira instância, a médica foi condenada a ressarcir integralmente os danos causados ao erário, acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da notificação prévia e de atualização monetária a partir da data do recebimento dos valores; pagar multa civil na quantia equivalente a três vezes o valor do dano causado e ficou com impossibilidade de ser contratada, receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios do Poder Público pelo prazo de dez anos.
DEFESA RECORREU DA DECISÃO
A defesa recorreu e, na apelação, justificou ter havido a prescrição das pretensões contra ela ajuizadas, pois citou que a exoneração dela ocorreu em 20 de junho de 2011, data na qual se iniciou o prazo prescricional quinquenal. Alegou, também, que houve cerceamento de defesa.
Quanto aos cargos simultâneos, afirmou que os fatos careciam de maior esclarecimento, pois apontou que não recebeu qualquer remuneração sem trabalho, não havendo ilegalidade no acúmulo dos cargos públicos. Alegou ainda que cumpriu as jornadas de trabalho de 20h semanais nos dois municípios e que em momento algum agiu com dolo ou má-fé.
Conforme a defesa da médica houve acordo com a administração municipal para que fossem flexibilizados os horários em que poderia cumprir as 20h semanais, não existindo escala fixa de serviço. Justificou ainda que, assim que soube da suposta acumulação ilegal de cargos apontada pelo Tribunal de Contas do Estado, pediu exoneração. Requereu, com base nesses apontamentos, que os dois processos fossem julgados improcedentes ou que houvesse redução das penalidades.
DECISÃO RECENTE
A defesa foi analisada pela m 1ª Câmara de Direito Público do TJ e teve a participação dos desembargadores Aliende Ribeiro, Danilo Panizza, Luís Francisco Aguilar Cortez e Marcos Pimentel Tamassia (relator).
O relator, em seu voto, afastou a alegação de prescrição do caso, como solicitado pela defesa. Quanto a alegação de cerceamento de defesa, apontado pela médica pelo fato de que não houve a produção da prova testemunhal por ela requisitada, o relator apontou que “ao juiz, destinatário final das provas, é permitido julgar antecipadamente a demanda quando convencido de que o conjunto probatório é suficiente para formar a sua livre, mas racional, convicção”.
Por último, analisou a situação sobre acumulação de cargos em cidades distantes. Conforme o relator, ao iniciar suas atividades no cargo público em Martinópolis, a médica teve de preencher uma declaração para indicar eventual cargo ou emprego que já estivesse exercendo naquele momento. Porém, não citou Limeira, onde atuava desde o ano 2000. Ela declarou o exercício em outro cargo de médica neuropediatra na Apae de Martinópolis, onde cumpria carga horária semanal de duas horas. “Em que pese o esforço argumentativo da apelante, os recursos interpostos em ambas as ações não comportam provimento”, apontou o magistrado.
Em outro trecho de seu voto, o desembargador citou que ela não conseguiria atuar nas duas cidades. “É de lógica formal à conclusão de que ela não poderia trabalhar 20 horas semanais no município de Martinópolis e, igualmente, 20 horas semanais em Limeira, cidade distante, aproximadamente, 450 quilômetros de Martinópolis. De acordo com rápida pesquisa no sítio eletrônico Google Maps, o trajeto entre os municípios demora, em geral, 5 horas e 47 minutos para ser percorrido, com trânsito normal, tornando patente a inviabilidade do exercício conjunto dos cargos em questão isso sem considerar, ainda, o eventual trabalho como médica na Apae de Martinópolis. Torna-se pouco crível, portanto, que a apelante tenha comparecido ao trabalho em Martinópolis em todos os dias em que assinou as fichas ponto reforçando, nesse sentido, o que já havia sido afirmado pela Diretora do Departamento de Saúde do Município, no sentido de a ré somente trabalhar dois dias na semana. Paralelamente a isso, na esteira do que apontam documentos, entre 25 de maio de 2010 e 15 de dezembro 2010, a ré teria trabalhado todos os dias no município de Limeira, à exceção dos dias 04.06.2010, 05.07.2010 a 24.07.2010 e 1º.11.2010. Nota-se, nessa medida, que a ré assinou o ponto como se tivesse trabalhado em dois municípios, nos mesmos dias e horários, por um longo período de tempo”.
O voto do relator foi para o não provimento dos recursos e foi aceito pelo demais desembargadores. O acórdão foi publicado neste mês no Diário de Justiça com trânsito em julgado, ou seja, não cabe mais recurso.