Em 1998, Iberê de Castro Dias se formava em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Mesmo ano em que Marcos Fernandes de Omena (conhecido como Dexter) ingressava no sistema carcerário por roubo à mão armada. Ou seja, viviam em dois mundos diferentes, antagônicos e, em muitos sentidos, incomunicáveis.
Ao sair da faculdade, Dias seguiu um caminho que o transformou em juiz (hoje é o titular da Vara da Infância e Juventude de Guarulhos e assessor da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo). Já Dexter passaria 13 anos preso, a maior parte desse tempo na extinta Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru, e se transformaria em um dos rappers mais importantes do País. Como se vê, ainda eram habitantes de planetas distantes.
Mas, na quarta, Dias e Dexter estavam lado a lado no Clube da Turma, espaço que atende crianças e adolescentes em risco social na zona sul paulistana, perto da Estrada do M’Boi Mirim. A dupla (sim, a dupla) está na linha de frente do Trampo Justo – projeto do Tribunal de Justiça paulista que tem como objetivo mostrar aos jovens de abrigos a importância de um emprego honesto e inseri-los no mercado de trabalho.
No início do projeto, o juiz foi atrás dos empresários ou, como ele mesmo diz, de “pessoas que ele já tinha os canais e, de algum modo, fazem parte de um mesmo circulo social e cresceram em um mesmo ambiente”. A questão era: como sensibilizar a outra ponta? Como fazer com que adolescentes ouvissem.
Esse discurso não poderia vir, como diz o próprio Dias, “de um homem branco, classe média alta, que teve todas as oportunidades na vida”. O “papo reto” tinha de vir por meio de alguém que tivesse a mesma origem dos beneficiados.
Assim, por meio de um contato com a atriz Sophia Bisilliat, responsável por projetos no Carandiru (como Artistas Aprisionados), chegou-se ao nome de Dexter. “Topou na hora. Com ele, a conversa é crível.”
Empatia, aliás, é a primeira palavra que a presença de Dexter faz reverberar no ambiente. Os adolescentes recebem o artista como “um dos nossos”, repete um menino. Imediatamente, o DJ solta a base de um dos sucessos. “Acharam que eu estava derrotado/ Quem achou estava errado/ Eu voltei tô aqui/Se liga só escuta aí/ Ao contrário do que você queria/ Tô firmão, tô na correria/Sou guerreiro e não pago pra vacilar…”
Pronto, a audiência está ganha. O juiz é apresentado pelo rapper (com direito a uma salva de palmas). A partir daí, todos estão em casa e têm lugar de fala e legitimidade.
Entre os adolescentes que vivem em abrigo, Diego, de 18 anos, parecia viver o dia mais intenso da sua vida. “Escrevo também. Faço rimas. Sempre quis conhecer o Dexter”, falou. Priscila, de 16, sonha com formação em computação para melhorar de vida. “Dexter é um cara que eu paro para ouvir. Acho que tem a ver com a nossa vida”. Os amigos Fernando e Tarcísio, de 15, ainda estão mais na “onda do futebol”, mas não tiravam os olhos do rapper.
Amor
Dexter “troca uma ideia”. “Estou aqui para que vocês não precisem passar pelo o que passei; dificuldade todo mundo vai ter, mas estou aqui para tentar suavizar o caminho. Quero que vocês pulem etapas sem precisar sofrer.” O rapper fala de gravidez na adolescência, de morte entre jovens, drogas, racismo e, principalmente, de amor. “Vocês tem referência do que é falar de amor?”
A pergunta bate forte em todos. Com ele é tudo papo reto – até chegar à importância de seguir o caminho do bem, do trabalho e da honestidade. “Estou aqui oferecendo uma arma poderosa pra vocês: o conhecimento e a autoestima”, disse Dexter. “Periferia é difícil, mas vocês podem fazer diferente.”