Áh, as redes sociais, a internet, a modernidade, quanta coisa boa nos trazem, né? Abreviam distâncias, facilitam e agilizam a comunicação, nos ajudam a estudar com mais facilidade, a ir em busca de informações das quais precisamos, quanta coisa boa, porém, como tudo, pode ser mau utilizada, pode ser utilizada de maneira a magoar seriamente alguém, a ferir, a expor e ridicularizar uma pessoa, pode ser usada de forma cruel e desmedida prejudicando muito a quem é exposto, mas revelando muito de quem expõe, agride, fofoca, faz e une-se a grupos de lincham pessoas em redes sociais, quaisquer que sejam os motivos.
“(…) E você não precisa ser proeminente, famoso ou político para ser publicamente envergonhado e permanentemente marcado: tudo o que você precisa fazer é ter um dia particularmente ruim e as consequências podem durar enquanto o Google existir”, definiu o colunista do The New York Times Ross Douthat em uma coluna sobre cancelamento.
A cultura do cancelamento é um tema que já chegou a ser debatido até mesmo pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que disse “O mundo está uma bagunça, existem ambiguidades”, “Pessoas que realmente fazem coisas boas têm falhas. Pessoas com quem você está lutando podem amar seus filhos e compartilhar algumas coisas com você”, apontou em entrevista realizada no ano passado.
Diogo Soares, bacharel em ciências sociais pela USP diz que as pessoas, dentro desse espaço e como indivíduos, são as que definem o que é certo e o que é errado, sem que uma lei ou instituição esteja organizando isso. “Eu te cancelo e eu tenho o poder de fazer isso e eu vou chamar outras pessoas para fazerem a mesma coisa. Então, o que era passível de ter uma discussão pública acaba construindo outras formas privadas de uma cultura que pode dar muito errado, muito rápido”, completa o bacharel, dizendo ainda que isso gera outras culturas mais severas, como a do apedrejamento e do linchamento, de que existe um poder nas mãos que será usado livremente.
Todos os passos dessa forma mais agressiva de cultura, para o entrevistado, vão contra uma estruturação de nossa sociedade que preza pela educação das pessoas, pelas suas mudanças e pelas formas de construção mais sensíveis e menos autoritárias. “É um mundo muito mais complexo que vem sendo nivelado por baixo, em uma espécie de movimentação que não passa por questões de valores, mas sim perseguições e outros tipos de sentimento que são muito individualistas”, completa.
Posto isto, te faço um questionamento: você já participou direta ou indiretamente de tais ‘cancelamentos’, ainda que uma vez só, ainda que apenas dando ibope ou uma espiada, ainda apenas que fazendo um ‘print’ e mandando ‘particularmente’ para um ou outro amigo verem, ainda que comentando com uma amiga que encontrou ao acaso?
Se sim, convido-o a refletir sobre a crueldade, isto é, perversidade; qualidade ou condição da pessoa cruel, de quem age com maldade, tirania, fazendo o mal. Barbaridade; comportamento ou ação impiedosa, bárbara, sem piedade: não sei quem teve coragem de fazer essa crueldade. Rigor; falta de clemência; ação implacável ou comportamento rigoroso: a crueldade do frio.
“Áh, mas não fui eu quem começou a falar”, pode dizer um, outro pode argumentar “Ah, mas a pessoa errou mesmo…”, “Mereceu, porque …”, mereceu não, sofreu e foi vítima de pessoas que exercitaram toda a perversidade para expor e julgar. O perverso não é empático, isto é, não se coloca no lugar do outro, não pensa em como vai machucar e afetar a pessoa em questão, só age com maldade e tirania, para seu deleite perverso se fazer valer.
Não seja esta pessoa! A pessoa que você cancela, lincha e apedreja é filho de alguém, é irmão de alguém, tem filhos, tem amigos, família, trabalho e vai sofrer com isso e você o que vai ganhar? Momentos de diversão doentia, de nível baixo e rasteiro, deixando claro como você pode ser cruel, maldoso e impetuoso?
Ao invés de linchar, lance mão do diálogo isto é, da conversa, da troca de ideias. Argumente, explique seu ponto de vista, mostre onde você vê a falha, esteja disponível a escutar e a ponderar e quem sabe a mudar de opinião, afinal, a perfeição não nos é inerente, não é mesmo?
Encerro com um convite a reflexão: “Quando tiver que escolher entre estar certo e ser gentil, escolha ser gentil, seja gentil, pois cada pessoa que você encontra está travando uma grande batalha!”, do filme Extraordinário
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