O juiz Tiago Bitencourt de David, da 5ª Vara Cível Federal de São Paulo, determinou que o governo Bolsonaro informe no site do Ministério da Saúde, em 15 dias, se há ou não eficácia comprovada das sementes de feijão no combate à covid-19, divulgadas pelo pastor evangélico Valdemiro Santiago e a Igreja Mundial do Poder de Deus.
Antes da ordem judicial e por orientação do Ministério Público Federal, a pasta chefiada por Eduardo Pazuello chegou a divulgar que é falso que o plantio das sementes comercializadas por Valdemiro – em valores predeterminados de R$ 100 a R$ 1.000 – combatiam a doença causada pelo novo coronavírus. No entanto, a indicação foi retirada do ar sob a alegação de que “a iniciativa induziu, equivocadamente, ao questionamento da fé e crença de uma parcela da população”.
A retirada levou a Procuradoria a acionar o Judiciário, sendo que o despacho de David, dado no último dia 27, determina ainda que, em até 30 dias, o Ministério da Saúde apresente a identidade completa de quem determinou a supressão da informação antes veiculada no site da pasta.
Na ação civil pública apresentada à 5ª Vara Cível Federal de São Paulo, o MPF apontou que a conduta do Ministério da Saúde, de retirar a informação do site, “viola a moralidade administrativa e o dever de informação adequada”. Na mesma petição, a Procuradoria defende que o pastor Valdemiro e a Igreja Mundial do Poder de Deus sejam condenados a pagar indenização de R$ 300 mil por prática abusiva da liberdade religiosa, ao colocar em riscos a saúde pública e induzir fiéis a comprarem um produto sem eficácia comprovada.
Instada, a União afirmou que “tem adotado as medidas necessárias para neutralizar as informações equivocadas que colocam em risco a saúde pública e que causam prejuízos sociais, incluindo em seu site a informação de que inexistem estudos científicos sobre alimentos que garantam a cura ou o tratamento da Covid-19”.
Ao analisar o caso, Tiago Bitencourt de David apontou que “aparentemente, houve uma vinculação entre a promoção de crença religiosa, a entrega de artefato (sementes de feijão/feijões), a cura da COVID/19 e a solicitação de dinheiro”, pagamento em pecúnia chamada de “propósito” por Valdemiro.
O magistrado ponderou ainda que “é preciso considerar que a liberdade de crença não pode ser indevidamente restringida pelo Estado e nem este pode ser cooptado por entidade religiosa”. “A Constituição Federal estabelece que o Estado é laico, não combatendo a profissão de fé e nem incorporando-a no próprio governo, de modo que os fiéis não têm mais ou menos direitos que os ateus”, escreveu.
Nessa linha, o juiz sinalizou que ao Estado cumpre o dever de informar os seus cidadãos sobre os meios de prevenção, promoção e recuperação da saúde, e que o Ministério da Saúde deve apresentar aos brasileiros como tem agido e quais são as opções de prevenção e recuperação que já se mostram corroboradas cientificamente e as que não. “Informar não é obstruir uma profissão de fé e nem impedir que as pessoas façam as escolhas que reputarem pertinentes. Apresentar os dados mostra-se, pelo contrário, em dar condições de que se escolha de modo informado e consciente, permitindo um incremento da capacidade de eleição entre as opções de como conduzir-se”, explicou o magistrado.
David sinalizou que o caso dos feijões tornou-se tão expressivo que não há mais como deixar de abordá-lo, tanto que o próprio Ministério da Saúde já tinha se manifestado a respeito. Segundo ele, ignorar a questão deixou de ser uma opção diante da envergadura do fato.
Defesas
A reportagem busca contato com o pastor Valdemiro com a Igreja Mundial do Poder de Deus. O espaço está aberto para manifestações. Quando o Ministério Público Federal encaminhou notícia-crime ao Ministério Público de São Paulo pedindo investigação por suposto crime de estelionato cometido pelo pastor Valdemiro, a Igreja Mundial do Poder de Deus divulgou a seguinte nota:
“Em atenção à sociedade, em virtude de notícias veiculadas nesta quinta-feira (07) de maio de 2020, sobre a “venda” de semente com promessa de cura, a Igreja Mundial do Poder de Deus, vem esclarecer que:
1) Diferentemente do divulgado pela impressa, a campanha do mês de maio “sê tu uma benção” representado pela semente do feijão, não se refere a venda de uma “promessa de cura”, mas sim o início de um propósito com Deus, representado por um símbolo bíblico (a semente) que tem como princípio o início de uma colheita conforme a vontade de Deus (Lucas 8:11-15 e 2 Corintios 9);
2) Em relação a promessa de cura vinculada diretamente a semente, tem-se que foi amplamente esclarecido em todos os vídeos que toda cura vem de Deus e que a semente é uma figura de linguagem, amplamente mencionada nos textos bíblicos, para materializar o propósito com Deus (Genesis 26);
3) O valor da suposta venda divulgado, resta rechaçada veemente, haja vista ser a oferta espontânea, a qual é dada de acordo com a condição e manifestação de vontade de cada fiel, não tendo nenhuma correlação com o comércio de qualquer produto e/ou serviço.
4) Esclarecemos, ainda, que nossa instituição, ao longo de todos esses anos tem o único e exclusivo propósito de propagação da fé Cristã, onde todas as nossas atitudes se baseiam nos princípios bíblicos, na ética e na legalidade.”