Há quem não aguente mais entrar em novos grupos no WhatsApp – entre a família, os amigos e os colegas do trabalho, o fluxo incessante de mensagens parece atordoar muita gente. Mas para toda regra há uma exceção – e com o “zap” não é diferente. Nas últimas semanas, começou a pipocar no aplicativo uma nova onda, digna da criatividade brasileira: os grupos de imitações.
Em vez de discussões políticas ou mensagens de bom dia, esses espaços reúnem pessoas desconhecidas mandando áudios com as mais variadas personificações: barulho de moto, piloto de avião, feirante ou vozes de celebridades. Em alguns casos, a diversão vira um show de calouros 2.0. É o que acontece com a paulistana Camila Lourenço, de 28 anos: estudante de veterinária, ela faz sucesso imitando a assistente de voz do Google. “Era só uma brincadeira entre amigos, mas agora estou atingindo mais pessoas”, diz.
“Essa menina está deixando todo mundo traumatizado. Lá no grupo, a gente acha que ela é mesmo o robô do Google”, brinca Rômulo Almeida, de 33 anos, “colega” de Camila. Os dois interagem em uma comunidade dedicada a parodiar pilotos de avião, onde a jovem faz uma “participação especial” como Google Assistant a pedido dos usuários.
Morador de São Luís (MA), Almeida imita comandantes de aeronaves, Silvio Santos e Bob Esponja, entre outros. “Desde sempre brinco disso, não é nada profissional”, diz ele, que trabalha na área comercial de uma correspondente bancária. Com suas imitações, Almeida chegou a ter seus segundos de fama na internet: publicado na rede social Twitter, um de seus áudios teve mais de 43 mil curtidas e 10 mil compartilhamentos.
“É o maior barato: mando algum áudio para divertir a galera antes de ir para o serviço e outro à noite”, afirma. Mas o sucesso lhe fez mal: de tanto usar a voz, Almeida chegou a ficar rouco nos últimos dias. Para quem quiser seguir seus passos como “piloto de avião”, ele dá a dica: o segredo é se atentar mais à forma que ao conteúdo, se preocupando em reproduzir o som de um microfone abafado. Assista algumas imitações:
LUGARES PRIVADOS
Ao contrário de outros fenômenos das redes, os grupos de imitação têm uma dinâmica complexa. Por um lado, seu conteúdo pode viralizar por conta de encaminhamentos de mensagens. Entrar nessas comunidades já é mais complicado: como o WhatsApp limita cada grupo a 256 usuários, a maioria deles está lotada.
Não é a primeira “febre” com essa característica: em 2018, viraram moda no app os grupos de compartilhamento de stickers, com usuários trocando figurinhas engraçadas para seus acervos. Para especialistas, as duas ondas são parte de uma tendência só. “Há uma mudança de conversas públicas para ambientes privados. As pessoas se sentem mais à vontade assim”, avalia Edney Souza, diretor acadêmico da Digital House Brasil. “Com a imitação, há um agravante: fazê-las publicamente pode levar à ridicularização ”
Para Fábio Malini, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), os grupos de imitação são uma espécie de resistência. “Hoje, as plataformas digitais estão contaminadas de forma tóxica. Os grupos são um espaço onde as pessoas deixam a realidade mais bruta e entram num universo de sonho”, diz.
É algo que Mayra Nascimento, de 21 anos, entende bem: diagnosticada com depressão, ela tem achado conforto no WhatsApp “No começo, entrei nos grupos por falta do que fazer”, brinca a estudante de Ciências Biológicas. “Mas percebi que escutar as imitações faz bem para mim quando estou triste. Só não levo jeito para imitar.”
BOTANDO ORDEM
Há ainda quem dedique seu tempo a colocar ordem na casa. O estudante Lucas Pedroso, de 20 anos, por exemplo, é dono de mais de 70 comunidades. Seu celular nunca para de vibrar – é comum ele ter mais de mil notificações no app quando fica longe do celular. “Sou eu quem removo as pessoas que publicam conteúdos que não condizem com a proposta dos grupos, como pornografia”, diz o jovem.
O WhatsApp afirmou que os grupos de imitações são bem-vindos, desde que não infrinjam os termos de uso. Como o app usa criptografia de ponta a ponta, que protege o conteúdo das mensagens, é difícil para a empresa saber quando se comete uma infração. Para isso, é necessário que denúncias partam dos usuários. Mas vale esclarecer: segundo a lei brasileira, fazer paródias não infringe regras de propriedade intelectual – algo que violaria o contrato do APP.
É preciso, porém, que os usuários tenham consciência dos riscos dos grupos – como o de expor nome e número de telefone para desconhecidos. “São dados que podem ser usados para criar uma base para disparos de anúncios”, diz Francisco Brito Cruz, diretor do centro de pesquisa InternetLab. “É algo que pode ter consequências, mas não pode ser incentivo para as pessoas não se divertirem.”