O poder público não é responsável por danos a vítimas provocados por uma pessoa foragida do sistema prisional, quando não ficar demonstrado o “nexo causal” entre o momento da fuga e o crime praticado pelo detento. O entendimento foi firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na sexta-feira, 4, ao julgar um caso do Estado do Mato Grosso no plenário virtual da Corte. O resultado vai impactar todos os processos no País que tratam sobre o assunto, destravando ao menos 78 ações que aguardavam a posição do STF.
O caso, que ficou sob a relatoria do ministro Marco Aurélio Mello, chegou à Suprema Corte após o Tribunal de Justiça do Mato Grosso decidir que o Estado seria o responsável por indenizar a família de uma pessoa que foi assassinada por um foragido do sistema prisional. O processo é antigo. O detento fugiu do presídio em novembro de 1999, e depois de três meses, praticou o crime. A vítima foi um chefe de família, de 45 anos, morto após roubo – latrocínio, no jargão jurídico. Após ser condenado a indenizar a família por danos materiais e morais, o Estado do Mato Grosso recorreu ao STF.
Por sete votos a três, a tese de Marco Aurélio não prevaleceu no julgamento. O relator votou para negar o recurso do Estado. Para o ministro, o poder público (Estado) deveria responder por danos materiais e morais quando um criminoso foragido pratica roubo seguido de morte.
Ex-secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo e ex-ministro da Justiça do governo Michel Temer, o ministro Alexandre de Moraes não concordou com o entendimento do colega. Para Moraes, o conjunto de fatos e provas do caso não permitia atribuir ao Estado a responsabilidade pelo crime do foragido. O ministro concluiu que seria necessário demonstrar que o dano provocado por terceiro teve “estreita relação” com a omissão estatal.
Ao divergir de Marco Aurélio, Moraes então propôs a tese vencedora no julgamento. O entendimento firmado pela maioria do STF foi o de que “não se caracteriza a responsabilidade civil objetiva do Estado por danos decorrentes de crime praticado por pessoa foragida do sistema prisional, quando não demonstrado o nexo causal direto entre o momento da fuga e a conduta praticada”.
Moraes foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. O ministro Edson Fachin também não concordou com o voto de Marco Aurélio, mas apresentou outra posição, similar à de Moraes. Já as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber seguiram a tese do relator.
Caso. Em seu voto, Marco Aurélio relatou que a vítima do crime estava em casa, com a família, quando criminosos encapuzados e armados invadiram o local, anunciando o assalto. “Dispararam tiros contra a vítima e subtraíram valor em espécie e talão de cheque. A vítima, mortalmente ferida, foi conduzida por terceiros ao hospital, não resistindo aos ferimentos”, escreveu o ministro.
Ao analisar o caso, Marco Aurélio afirmou que lhe estarreceu a deficiência do Estado em manter o criminoso na cadeia. Ele foi preso inicialmente em 1997, fugiu e foi recapturado. Em 1998, foi colocado em regime semiaberto, com a obrigação de passar as noites na delegacia. Mas cometeu novo crime e teve de voltar à prisão.
“A negligência do Estado quanto à manutenção da custódia – e somente assim se entende fuga de local em que observado o regime fechado – viabilizou o cometimento de novo crime, mais grave do que os anteriores, fato a ressaltar a periculosidade”, afirma o ministro. Para ele, era dever do Estado manter a custódia, com os cuidados “próprios” já que se tratava de um preso com extensa ficha criminal.