Policiais militares, civis e técnico-científicos de São Paulo concluíram um treinamento com representantes da Justiça e outros especialistas para desenvolver a abordagem e o acolhimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de crimes sexuais.
Foram três dias de incursão num programa desenvolvido pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) para implementar um novo protocolo de atuação para os policiais visando combater a revitimização de crianças e adolescentes. O principal objetivo é impedir que eles sejam expostos a situações que fazem relembrar o crime toda vez que for necessário prestar depoimentos para a polícia ou em juízo.
Durante a capacitação, os policiais tiveram contato sobre depoimento especial, escuta especializada e, principalmente, revelação espontânea. Sempre que há pessoas que não atingiram a maior idade envolvidas na ocorrência, o policial precisa tratar do caso com os responsáveis, exceto se eles forem os agressores.
No entanto, em determinadas situações, as vítimas acabam falando sobre o crime espontaneamente durante o atendimento da ocorrência e depois precisam reviver o momento em uma delegacia ou perante à Justiça. Passar por esse processo acaba gerando a revitimização.
A ideia do projeto é que os policiais encontrem mecanismos fáceis para gravar a conversa, sem interromper a vítima. No caso da Polícia Militar, é mais simples devido ao uso das câmeras corporais portáteis (COPs). Essa gravação poderá ser usada pela Justiça para que não seja necessário fazer com que aquele jovem relembre o crime durante os depoimentos.
Revelação espontânea
Geralmente, a revelação espontânea acontece no momento em que o policial militar atende a ocorrência, quando a vítima vai até a delegacia e até mesmo nos Institutos Médicos Legais (IML), durante a realização de exames de corpo delito.
“A legislação prevê desde 2017 que crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de crimes não devem ser ouvidas por policiais para que elas prestem o depoimento somente uma vez, durante o julgamento. Então os policiais não podem fazer perguntas, por exemplo, apesar de querer muito entender o que aconteceu”, explicou o major Rodrigo Vilardi, da Coordenadoria de Análise e Planejamento (CAP), da SSP. Ele acrescentou que em determinados casos a própria vítima fala sobre o crime espontaneamente, então “desejamos implementar a gravação para que as informações sejam compartilhadas com a Justiça”, informou.
Além do treinamento, a partir de agora, com esse projeto-piloto, em fase de testes na zona sul da cidade de São Paulo, os policiais vão conduzir as vítimas até a Delegacia de Defesa da Mulher da região, que terá prioridade para agendar uma data com o Poder Judiciário, para que a vítima seja ouvida uma única vez e diretamente por profissionais especializados nesse tipo de atendimento.
Durante a capacitação dos policiais, o juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude Fábio Henrique Falconi afirmou que a ideia do projeto integrado é “construir um sistema que ainda não existe para prezar pela segurança dos jovens vítimas de violência”. “O relato espontâneo que aquela criança ou adolescente passa ao policial que está na linha de frente da ocorrência pode trazer a condenação devida ao abusador. Confio que esse novo mecanismo vai dar certo e ajudará muitas vítimas”, mencionou.
Ainda conforme o magistrado, “infelizmente não há como mudar o que aconteceu com a pessoa, mas é possível mudar a forma como a vítima vai reagir no futuro, a depender de como foi realizado o atendimento e, posteriormente, a justiça do caso”.