Em resposta à atuação do Ministério Público, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade de lei do município de Guarulhos (SP) que garante o fornecimento de cartão de vacinação em braile.
O texto da Lei Municipal 8.021/22, de iniciativa parlamentar, havia sido alvo de ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que entendeu existir violação da separação de poderes.
Atuando como “custos iuris”, a Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) interpôs recurso extraordinário alegando que “a norma de inclusão de pessoas com necessidades especiais, edificada nos limites da autonomia municipal, não se amolda às hipóteses excepcionais de reserva de iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo ou de reserva da Administração”, atendendo ao Tema 917 de repercussão geral, argumentando ainda que “à lei é consentido, pois, assegurar direitos, embalados pelo princípio de igualdade, a categorias ou classes de usuários do atendimento público em situação de vulnerabilidade”.
Obstado o recurso extraordinário com fundamento na conformidade do acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ao Tema 917, a PGJ procedeu à interposição de agravo interno, que não foi provido pelo TJSP. O procurador-geral de Justiça ajuizou então reclamação no Supremo Tribunal Federal, que foi julgada procedente o para cassar o ato reclamado, bem como determinar à autoridade reclamada que procedesse a novo juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, sob outra ótica que não a do Tema 917 de repercussão geral, eis que promovido o efetivo “distinguish”.
Ao realizar novo exame de admissibilidade, o TJSP admitiu o recurso extraordinário, opinando a Procuradoria-Geral da República pelo provimento do recurso extraordinário.
Em decisão proferida em 11 de junho, o relator, ministro Dias Toffoli, deu provimento ao RE do PGJ “para, reformando o acórdão recorrido, declarar a constitucionalidade da Lei n.º 8.021 do Município de Guarulhos, de 13 de junho de 2022”, concluindo que “além de não verificada a inconstitucionalidade formal da legislação municipal, tendo em vista estar em conformidade com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, notadamente com o Tema n° 917 de Repercussão Geral, ainda constato a plena constitucionalidade material da lei municipal aqui questionada, por seu alinhamento aos ditames constitucionais referentes à proteção das pessoas com deficiência” (RE 1.495.619/SP).
Na decisão, o STF frisou, de um lado, “não é forçoso compreender que uma lei que preveja criação de despesas para Administração, sejam elas quais forem, interfere, em certo grau, no Poder Executivo. Tal fato é decorrência lógica do modelo de separação de poderes adotado pelo Brasil. O referido princípio, em uma perspectiva contemporânea, deve ser compreendido como dinâmico, e não estático. No presente caso, indispensável se mostra definir o grau de interferência da lei de iniciativa parlamentar questionada em face do Executivo municipal. Com efeito, compreendo que tal influência afigura-se mínima, exatamente compreendida na margem de atuação do Poder Legislativo delineada pelas previsões constitucionais acerca de matérias afeitas à iniciativa privativa. Não se vislumbra, dessa forma, interferência indevida na estrutura e na atribuição dos órgãos da administração do município”, e de outro, que “a jurisprudência desta Corte é firme quanto à constitucionalidade de legislações protetivas às pessoas com deficiência e quanto à inconstitucionalidade de leis ou de atos normativos que restrinjam o patamar de proteção definido pelas normas constitucionais e pela legislação federal acerca do tema”.