Os embaixadores da Venezuela e do Brasil na ONU protagonizaram uma troca de farpas e cenas pouco comuns durante o Conselho de Direitos Humanos da entidade, nesta sexta-feira, 23. A delegação de Caracas chegou a usar uma placa onde está escrito o nome de seu país na bancada da ONU para bater sobre a mesa e tentar impedir que o Brasil continuasse com seu discurso.
O debate central era a aprovação de uma resolução que condenava a adoção de sanções unilaterais e que apontava como tais medidas coercitivas podem minar os direitos humanos.
Se o Brasil tradicionalmente votou a favor de resoluções com essas características, o governo admitiu nesta sexta-feira que o atual contexto na Venezuela e o fato de a proposta ter sido apresentada justamente pelo governo de Nicolás Maduro em nome do Movimento dos Países Não-Alinhados obrigava o Itamaraty a mudar de posição. O Brasil se absteve.
Além de condenar as sanções, o texto pedia que os governos se unissem para fazer uma declaração formal contrária às práticas.
Ao explicar seu voto, a embaixadora brasileira, Maria Nazareth Farani Azevêdo, citou o exemplo da situação na Venezuela. Mas passou a ser hostilizada pela delegação de Caracas, que tentava impedir que ela seguisse o discurso. A diplomacia de Maduro alegava que as regras da ONU não permitem que um governo use sua explicação de voto para tratar de temas que não estejam no conteúdo da resolução.
Depois de uma primeira interrupção, a diplomata brasileira voltou a falar. “Ao continuar meu discurso, o sr. vê que o exemplo sobre a Venezuela é pertinente à explicação de meu voto”, disse, se referindo ao presidente do Conselho, Vojislac Suc. “Repito portanto: a situação na Venezuela criou um dilema sobre nossa posição tradicional diante do assunto, com base em grande parte na preocupação do Brasil sobre o uso da força nas relações internacionais”, disse a embaixadora.
Enquanto ela retomava o discurso, a delegação venezuelana tentou impedir que a diplomata seguisse pela segunda vez. Levantou sua placa para pedir uma “questão de ordem” e, ao não ser atendida pelo presidente do Conselho, a delegação passou a bater a placa sobre a mesa de forma repetida.
Mas a embaixadora seguiu com seu discurso. “Na Venezuela, ameaças contra os direitos humanos são originárias de políticas conduzidas pelo governo”, disse Maria Nazareth. Com o ruído, a presidência do Conselho foi obrigada a dar uma vez mais a palavra aos venezuelanos, que insistiram que a situação em seu país “não fazia parte do debate da resolução”.
O presidente, nesse momento, permitiu que a embaixadora brasileira seguisse com seu discurso. Ele também indicou ao governo da Venezuela que aquele não era o momento de tratar de “assuntos bilaterais”.
“Entre as várias medidas, o governo venezuelano usa o acesso a comida como instrumento para influenciar a vontade popular”, denunciou a brasileira, sob o forte ruído da placa com o nome da Venezuela sendo batida sobre as mesas da ONU. “A negação de que existe uma emergência e a recusa de aceitar ajuda de organizações independentes são as maiores ameaças aos direitos humanos dos venezuelanos. O Brasil decidiu, portanto, se abster da resolução”, completou a embaixadora.
O governo da Venezuela voltou a tomar a palavra e disse que os “pontos de ordem” que tinham solicitado eram “legítimos”. O governo venezuelano qualificou a intervenção brasileira de hostil.
Quem saiu na defesa da posição da Venezuela foi Cuba, que lamentou que um assunto relacionado a uma votação fosse usado para atacar outra nação. O governo australiano também se solidarizou com o Brasil. O México, país que tradicionalmente apoia a resolução, optou por se abster citando as mesmas preocupações do Brasil.
O governo dos EUA também rejeitou a resolução, alegando que suas sanções não violam direitos humanos e eles podem até ser um instrumento para promovê-los. “Como o Brasil disse, a Venezuela é pertinente para essa discussão”, declarou a diplomacia de Donald Trump. “Trata-se de uma alternativa ao uso da força e votaremos não”, disse o embaixador Jason Mack.
Com o apoio dos países africanos e de governos do Movimento dos Países Não-Alinhados, a Venezuela conseguiu a aprovação da resolução com 28 votos a favor, 15 contra e 3 abstenções. Entre os vários pontos, o texto ainda aponta que “acesso a remédios e alimentos não devem ser usado como coerção política”.