A disputa pelas rotas do tráfico de drogas que abastecem Estados brasileiros e outros países já causou a morte de ao menos 160 pessoas este ano, na fronteira do Brasil com o Paraguai. No lado brasileiro, foram 74 mortes até setembro, segundo dados da Polícia Civil. Uma em cada quatro mortes no Estado acontece nos dez municípios da região. Em seis municípios do lado paraguaio, houve ao menos 86 mortos. Segundo as autoridades, a região está em guerra desde 2016, quando a facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) passou a controlar o tráfico na fronteira.
No sábado, quatro pessoas foram executadas em um atentado em Pedro Juan Caballero, cidade separada de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, por apenas uma rua. Outras três pessoas foram baleadas, mas sobreviveram. A chacina vitimou duas estudantes brasileiras de Medicina, Karine Reinoso de Oliveira, de 21, e Rhannye Jamilly Borges de Oliveira, de 19. Morreu ainda a paraguaia Haylle Carolina Acevedo Yunis, de 21, sobrinha do governador do departamento de Amambay, Ronald Acevedo. Haylle é também sobrinha do político José Carlos Acevedo que, neste domingo, foi eleito prefeito de Pedro Juan Caballero pela quarta vez consecutiva.
Conforme a polícia paraguaia, o alvo era Osmar Vicente Alvarez Grance, de 29 anos, supostamente ligado ao narcotráfico. Ele recebeu grande parte dos tiros, a maioria na cabeça. A sobrinha do governador era sua namorada. Ela e as colegas brasileiras cursavam Medicina na Universidade Central do Paraguai, em Pedro Juan. Ainda segundo a polícia, foram disparados 107 tiros de pistolas e de fuzis Ak-47 e AR-15.
Imagens de uma câmera mostram quando três homens descem de uma caminhonete e descarregam as armas contra o grupo. Eles haviam saído de uma festa e entravam em uma caminhonete Blazer branca. Esse veículo tinha placa brasileira e havia sido roubado em Navegantes, no litoral catarinense. Osmar foi atingido antes de assumir o volante do carro. Depois que estava caído, um dos atiradores se aproximou e descarregou a arma contra sua cabeça.
O ataque aconteceu no bairro General Diaz, a cinco quadras da linha de fronteira. No domingo, uma caminhonete semelhante à usada pelos atiradores foi encontrada em chamas, numa estrada vicinal, a dez quilômetros de Pedro Juan. A Toyota Hillux tinha placas de Bauru (SP) e era roubada. Na manhã desta segunda-feira, seis brasileiros foram presos pela polícia paraguaia na cidade de Cerro Corá, no mesmo departamento, suspeitos de participação na chacina. Eles não tinham armas, mas os celulares foram apreendidos. Os nomes não foram divulgados.
Vereador
Em Ponta Porã, também no sábado, foi executado a tiros o vereador Farid Charbell Badaoul Afif (DEM), de 37 anos, mas a polícia não vê relação entre os casos. De acordo com o secretário de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, Antônio Carlos Videira, o assassinato do vereador está sendo investigado pelas equipes da Delegacia Especializada de Homicídios. “Algumas linhas estão sendo checadas e logo vamos ter o esclarecimento do crime”, disse.
Já a execução das brasileiras em Pedro Juan tem a ver com o tráfico de drogas, segundo ele. A região de Pedro Juan Caballero vive um clima de disputa entre as facções criminosas pelo controle do tráfico, principalmente da maconha produzida na própria região e da cocaína da Bolívia.
Conforme o secretário, as polícias estadual e federal brasileiras monitoram as quadrilhas e intensificaram as operações conjuntas contra o tráfico. De janeiro a julho deste ano, 460 toneladas de drogas foram apreendidas após cruzarem a fronteira. Segundo ele, as apreensões acabam gerando conflitos entre as quadrilhas, resultando em execuções. Apesar dos índices elevados de criminalidade na fronteira, no Estado todo os homicídios vêm caindo, afirma Videira. Foram 530 em 2017, baixando para 456 no ano seguinte e 416 em 2019. No ano passado, o número oscilou para 434, mas este ano, até setembro, foram 311
Conflito interno
A polícia paraguaia acredita que o ataque em Pedro Juan foi ordenado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), a facção paulista que se infiltrou no país vizinho para controlar as rotas de envio de drogas e armas para as organizações criminosas brasileiras e do exterior. Osmar Grance, conhecido como Bebeto, era o dono de uma lavanderia onde 13 membros da facção foram presos, em março deste ano, durante uma assembleia do PCC. Há suspeita de que Bebeto tenha facilitado a ação da polícia.
Nessa operação foi preso Weslley Neres dos Santos, o Bebezão, que na época liderava a facção no Paraguai. Bebeto também teria sido o mandante do assassinato de Marco Esquivel Gonzales, de 32 anos, por uma dívida de drogas. No atentado, morreu também a mulher de Marco, que era sobrinho de Cornélio Esquivel, um dos chefes do PCC na região. Ainda segundo a polícia paraguaia, Bebeto teria contraído dívidas com traficantes, já que recebeu pela remessa de drogas e não as entregou.
Conforme o subcomandante da Polícia Civil do departamento de Amambay, Roberto Fleitas, a hipótese mais provável para a chacina é de um conflito envolvendo integrantes do PCC. “Seria mais uma questão interna de facção que disputa o mercado brasileiro de drogas. Havia um conflito com essa pessoa, o Bebeto. É nisso que o Ministério Público e a polícia focam seu trabalho, em conjunto com a Polícia Federal no Brasil”, disse.
‘Justiceiros’ do crime organizado
Nos últimos meses, as ações de esquadrões da morte que se intitulam “justiceiros da fronteira” contribuíram para inflar as estatísticas de homicídios na região. As vítimas, em sua maioria envolvidas em furtos e roubos, foram executadas com crueldade e, em vários casos, acabaram degoladas, esquartejadas ou tiveram membros cortados. Os criminosos deixaram bilhetes ao lado do corpo, com “não roubar na fronteira” e “morte aos ladrões”.
Estima-se que, desde o ano passado, ao menos 60 pessoas foram executadas pelos chamados justiceiros. No dia 5, uma operação das polícias brasileira e paraguaia prendeu Anderson Meneses de Paula, o Tuca, que seria integrante do núcleo do PCC no Paraguai e líder e mandante das execuções.
A motivação dessas ações seria dar “tranquilidade” para os traficantes continuarem seu “trabalho”, pois os roubos acabam atraindo com mais frequência a presença da polícia nas ruas. A imprensa da região também já entrou na mira do narcotráfico. No ano passado, o jornalista Lourenço Veras, de 52 anos, foi executado em casa, quando jantava com a mulher e os dois filhos. Ele cobrava ações contra o tráfico na região. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.