Vítimas de violência, casas invadidas, afastadas do trabalho por serem mulheres: as reclamações feitas por algumas jornalistas afegãs nos últimos dias aumentaram as dúvidas sobre as garantias feitas pelo Taleban de que a mídia independente seria poupada da repressão. Os relatos de perseguição ultrapassam os próprios profissionais da imprensa, com a confirmação de execução de familiares de pelo menos um jornalista.
Nesta sexta-feira, 20, o canal público alemão Deutsche Welle informou que o parente de um jornalista que trabalhava para a emissora no país foi assassinado a tiros por insurgentes. De acordo com um comunicado divulgado pela emissora, outro familiar também foi atingido e ficou gravemente ferido.
“O assassinato de um parente próximo de um de nossos editores pelo Taleban é inconcebivelmente trágico e mostra o perigo em que se encontram todos os nossos funcionários e suas famílias no Afeganistão”, disse o diretor geral da DW, Peter Limbourg, conclamando o governo de Berlim a agir.
“É evidente que o Taleban já está realizando buscas organizadas de jornalistas, tanto em Cabul quanto nas províncias. Estamos ficando sem tempo!”, acrescentou, referindo-se às tentativas desesperadas de muitos afegãos de deixar o país. O jornalista em questão, que não teve a identidade revelada pela empresa por motivos de segurança, já está na Alemanha. Outros parentes dele que ainda estão no Afeganistão tentam deixam o país.
O Comitê para a Proteção dos Jornalista (CPJ) denunciou que membros do Taleban revistaram as residências de pelo menos quatro jornalistas e profissionais dos meios de comunicação durante a semana. Vários repórteres denunciaram que foram agredidos quando tentavam filmar as ruas de Cabul.
Na terça-feira, 17, em sua primeira entrevista coletiva desde a captura da capital, Cabul, o movimento militante islâmico disse que permitiria a liberdade de imprensa e preservaria os empregos para as mulheres – proibidas de trabalhar quando o Taleban esteve no poder pela última vez, de 1996 a 2001. “Ficou claro que há uma lacuna entre ação e palavras”, afirmou Sahar Nasari, apresentadora da Rádio e Televisão do Afeganistão (RTA), em um post no Facebook.
Shabnam Dawran, que também trabalha na RTA, contou em vídeo publicado nas redes sociais ter sido impedida de trabalhar na emissora. Ela relatou que o seu acesso à redação foi negado, enquanto seus colegas homens mantiveram sua rotina. “Não me dei por vencida após a mudança de regime e me dirigi ao escritório. Mas, infelizmente, não tive permissão para entrar”, afirmou Dawran, que apresenta o telejornal usando um hijab – véu que cobre o cabelo, mas deixa o rosto à mostra. “Aqueles que estão me ouvindo, ajudem-nos, pois nossas vidas estão em risco.”
Os jornalistas são alvo de regimes repressivos em todo o mundo, especialmente em tempos de turbulência. Mas a questão é mais delicada no Afeganistão, onde uma imprensa livre, a liberdade de expressão e os direitos das mulheres são vistos como conquistas difíceis após duas décadas de guerra.
“O Taleban precisa manter seu compromisso de permitir uma imprensa livre e independente no momento em que o povo do Afeganistão precisa desesperadamente de notícias e informações precisas”, disse Steven Butler, do Comitê de Proteção aos Jornalistas, de Nova York.
Saad Mohseni, chefe do grupo de mídia Moby, que comanda a maior emissora privada do Afeganistão, a Tolo News, disse que suas jornalistas não foram prejudicadas desde que o Taleban chegou ao poder e afirmou que suas repórteres continuaram trabalhando. No início da semana, em uma transmissão do Tolo, que seria impensável durante o governo anterior do Taleban, uma apresentadora entrevistou um dirigente do Taleban. Mesmo assim, Mohseni disse que o futuro é incerto. “Eu não ficaria muito animado”, disse.
A Coalizão para Mulheres no Jornalismo relatou ter recebido inúmeros pedidos de ajuda de mulheres jornalistas no Afeganistão desde o retorno do Taleban ao poder. A ONG afirmou que mantém contato com diversas profissionais que disseram se sentir ameaçadas em suas casas. Um editor da agência de notícias Pjhwok, de Cabul, disse que uma autoridade do grupo recomendou que todas as suas 18 repórteres trabalhassem de casa até que as regras sobre a presença de mulheres no trabalho fossem determinadas.