Em março, quando o cantor Fiuk apareceu usando um vestido prateado na 21ª edição do Big Brother Brasil, a indústria da moda no país viu, finalmente, uma oportunidade para popularizar o que as passarelas tentavam levar às ruas há décadas: a saia para homens. De Jean-Paul Gaultier e Vivienne Westwood, a Marc Jacobs e Givenchy, passando por estilistas brasileiros como Alexandre Herchcovitch, muitas grifes renomadas já tentaram emplacar a peça no guarda-roupa do homem, sem grande sucesso comercial. “Lançamos saias e vestidos unissex no passado, mas foi a exposição da peça no BBB que realmente impulsionou a nossa produção”, conta Raíssa Mantovani, estilista do segmento masculino da C&A e líder de projetos de moda agênero da empresa.
Apenas 24 horas após o episódio no reality show, a rede varejista lançou uma coleção-cápsula sem gênero composta de camiseta, saia e vestido, com modelagens amplas e cores neutras, apresentada ao público por um modelo masculino. Em apenas cinco dias, a rede, com 278 lojas no Brasil, vendeu 30% das peças em estoque, fazendo com que a empresa anunciasse a produção regular de saias e vestidos unissex. “Mais do que participar da discussão sobre fluidez de gênero, queremos que saias e vestidos sejam tão comuns no guarda-roupa masculino quanto a calça é no armário feminino”, afirma Raíssa.
A estilista, que pesquisa as mudanças desse mercado há cerca de dez anos, aponta a influência de outros fenômenos globais recentes. “A pandemia fez com que as pessoas buscassem roupas mais confortáveis e os homens viram nas saias e vestidos uma alternativa”, diz. “E tem também a força dos influenciadores digitais, especialmente no TikTok, que promovem ações como o #femboyfriday, onde meninos expressam seu estilo pessoal usando maquiagem e roupas antes relacionadas ao guarda-roupa feminino”, conta.
Segundo um relatório sobre percepções culturais divulgado pelo Twitter no ano passado, entre 2016 e 2019, as conversas sobre gênero aumentaram 176%, enquanto termos depreciativos sobre gênero diminuíram 57% na plataforma.
A repercussão do visual de Fiuk vem na esteira de outras celebridades internacionais como o cantor Harry Styles, que em novembro do ano passado foi capa da Vogue americana usando um vestido de babados. A lista não para por aí. De Post Malone, Bad Bunny, Lil Nas X e Kanye West até estrelas de gerações anteriores como Kurt Cobain, David Bowie e Mick Jagger, muitos famosos já vieram a público usando saias e vestidos.
“Na última década, as marcas de moda vêm produzindo cada vez mais coleções fluidas de gênero para atender à demanda do consumidor. Em 2019, 56% dos consumidores da Geração Z compraram alguma peça fora de sua área de gênero designada’, afirma o norte-americano Rob Smith, da Phluid, empresa de consultoria para vestuário sem gênero. De olho no crescimento do mercado, nos últimos anos, redes globais como Zara, ASOS e Adidas passaram a oferecer opções agênero em suas linhas permanentes, tirando o caráter sazonal das peças. “Daqui para frente, varejistas tradicionais vão precisar refletir o sistema de valores da nova geração para ganhar fidelidade e seguir relevante no mercado”, afirma o especialista.