Na fila para contar ao Papai Noel do Shopping Higienópolis o que pretende ganhar no Natal, José Luiz, de 3 anos, parecia animado. Mas, ao chegar a vez dele, o humor mudou: o menino decidiu não se aproximar e ficar em pé, guardando uma distância segura do bom velhinho. “Ele não é nada tímido. Mas acho que essa deve ser uma das primeiras experiências dele com essa figura”, contou a avó Silvia Cataldo, de 67 anos.
Apesar de a maioria das crianças agir com familiaridade e desenvoltura, empilhando uma lista de pedidos que deixariam qualquer papai (Noel ou não) de cabelo em pé, também teve quem repetisse José Luiz – e segurasse a mão do personagem natalino com insegurança, que abrisse o berreiro ou, simplesmente, ficasse mudo.
Esse medo pontual do Papai Noel pode se transformar em fobia? Embora não seja reconhecida oficialmente pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), feito pela Associação Americana de Psiquiatria, os medos relacionados às festas de fim de ano e à própria figura de Noel estão cada vez mais presentes no dia a dia dos consultórios e na experiência de quem interpreta o personagem de barba branca e gorro vermelho.
“Eu não gosto quando os pais insistem. Acho que tem de respeitar o tempo das crianças. O Noel é uma figura que deve conquistar a confiança. E precisa ser visto como amigo”, disse Cláudio Altruda, de 79 anos, Noel de shopping há mais de 26 anos.
Psicóloga com especialização em Avaliação Psicológica e Neuropsicológica e Terapia Cognitivo Comportamental pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, Elaine Di Sarno compara o medo de Papai Noel com a clássica fobia de palhaço. “São figuras muito diferentes daquilo que as crianças mais novas estão acostumadas. Elas não têm ideia de quem é aquele velhinho de barba branca, uma figura vermelha que fica tocando um sino… Aí, as crianças são obrigadas a se apresentar ao Noel, falar com ele, interagir… Algumas acabam desenvolvendo um medo que pode se desdobrar para a vida adulta”, disse. Aliás, na vida adulta, segundo Elaine, esse tipo de fobia acaba se transformando no estresse de fim de ano, na vontade de ficar sozinho em datas como Natal e ano-novo.
Para a psicanalista especialista em programação neurolinguística (PNL) e constelação familiar Taís Ribeiro, a fobia de Natal também se reflete em medos peculiares como o do pisca-pisca e de árvores de Natal. “Parece estranho, mas já tratei casos assim. Na maioria das vezes, diria em 80% dos casos, são traumas de infância”, contou. “Não ajuda quando os pais ficam contando histórias do ‘homem do saco’, aquela figura que viria capturar a criança se ela fizesse alguma má-criação. A figura do ‘homem do saco’ pode ser confundida com o Papai Noel na cabeça das crianças”, completou.
Os casos mais graves, que se transformam em ansiedade na vida adulta, podem nascer de diversas fontes. “Conheço uma pessoa que tinha medo de Noel porque um dia flagrou um tio de quem não gostava fantasiado de bom velhinho”, falou Taís. “Teve uma que o pai bebia muito durante o Natal e estragava a festa. Fazia coisas terríveis como gritar com a mulher, dar um soco no bolo e atirar um peru pela janela”, lembrou.
De acordo com a especialista, algumas situações só conseguem ser “atacadas” com hipnose, com o paciente conseguindo “ressignificar” alguns momentos importantes da própria vida.
O psicólogo Carlos Alberto Vieira pontua que é importante resgatar a diferença entre medo e fobia. “No primeiro, o sujeito está diante de algo que apresenta alguma razão objetiva no risco que se atribui àquilo que está em questão, enquanto que na fobia não há razão concreta a ameaçar o sujeito.”
Segundo ele, em ocasiões típicas do período natalino é mais comum encontrar adultos que apresentam algum tipo de desconforto, ou de sofrimento, mesmo em função de situações relacionadas à solidão. “Pode ser um desconforto decorrente de uma experiência de atualização, podemos assim chamar, de um período de luto vivido no passado, ou mesmo uma experiência em que o sujeito faz um balanço da sua vida e de si mesmo, colocando questões importantes em perspectiva, num momento de avaliação das coisas naquela altura da vida, podendo vir à tona uma sensação de medo por algo que se dê em um contexto de incerteza referente ao seu futuro.”