A cada dois anos e dois meses cria-se a condição ideal para viajar até Marte: as órbitas da Terra e do planeta vermelho alinham-se e ficam mais próximas, facilitando o caminho. O ano de 2020, especificamente entre os meses de julho e agosto, é uma chance dessas – e, mesmo em meio à pandemia, a oportunidade não será desperdiçada. Três países (Estados Unidos, China e Emirados Árabes Unidos) pretendem enviar missões não tripuladas a Marte nos próximos dias, com o objetivo de explorar o território marciano e desenvolver técnicas para levar humanos até o planeta vermelho um dia.
Mais avançada neste campo de exploração espacial, a Mars 2020, missão americana, da Nasa, buscará sinais de vida no planeta vermelho – para isso, o projeto pretende trazer amostras de rochas e sedimentos marcianos de volta à Terra pela primeira vez na história. Quem fará a viagem até Marte é o rover Perseverance (Perseverança, na tradução do inglês), que tem o tamanho de um carro e, segundo a Nasa, é o veículo mais sofisticado que a agência já enviou ao planeta.
A previsão é de que a espaçonave americana deixe a Terra no dia 30 de julho e chegue em Marte em 18 de fevereiro de 2021. O local escolhido para o pouso foi a cratera Jezero, pois há cerca de 3 bilhões a 4 bilhões de anos existiu um imenso lago no local, em uma área de 500 quilômetros quadrados.
Os cientistas acreditam que é um terreno promissor para encontrar moléculas orgânicas e vida microbiana. Não há data para o retorno à Terra. Possivelmente em 2031.
A China e os Emirados Árabes Unidos, com projetos menores, também querem bater metas: o país asiático planeja enviar um veículo para a superfície marciana pela primeira vez, enquanto a nação árabe pretende ser a primeira da região a realizar uma missão interplanetária, com o lançamento de uma sonda para orbitar Marte e coletar informações sobre o clima de lá.
Essas missões são novas partes de estudos que começaram há muito tempo. Desde a década de 1970, uma série de sondas e satélites já foi enviada a Marte por diferentes países. Os rovers, especificamente, capazes de fazer estudos mais detalhados do que simples sondas e satélites, lá estiveram cinco vezes desde 1997 – todas em missões da Nasa. O último veículo a pousar na superfície do planeta vermelho foi o Curiosity, em 2012, que, entre outras descobertas, revelou a existência, no passado, de água estável.
Para Alexandre Zabot, professor de Engenharia Aeroespacial da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), vivemos hoje uma corrida espacial assim como tivemos no passado o período das Grandes Navegações. “Nós, humanos, gostamos desses desafios. O que a população europeia sentiu e viveu nas Grandes Navegações, vamos sentir e viver nas próximas décadas. Serão novos mundos a descobrir”, diz. “Dentro disso, Marte tem um encanto diferente porque não é apenas um satélite, é um planeta com seus próprios fenômenos geológicos, e que, diferentemente da Lua, tem grande chances de ter abrigado vida no passado.”
Astrônomo e cientista de dados da prefeitura do Rio, Alexandre Cherman vai além. Na opinião dele, a tendência é que esteja começando uma corrida espacial semelhante à do período da Guerra Fria. A diferença é que agora os EUA disputam a soberania econômica e tecnológica com a China e não mais com a antiga União Soviética. “O que move esses grandes países é se mostrar como potência dominante. É triste do ponto de vista sociológico perceber que a nossa espécie caminha dessa maneira, mas para a ciência é importante que haja grandes investimentos na exploração do espaço.”
Missão. Uma das cabeças por trás da Mars 2020 é brasileira: o engenheiro Ivair Gontijo, que trabalha na Nasa há 14 anos, especificamente no laboratório Jet Propulsion Laboratory (JPL), em Pasadena, no Estado da Califórnia.
É a segunda vez que esse mineiro, nascido na pequena cidade de Moema, trabalha em uma missão rumo ao planeta vermelho. Em 2012, ele participou do projeto da Nasa que enviou o rover Curiosity para Marte.
Autor do livro A Caminho de Marte (Editora Sextante), o engenheiro chegou até a organização americana depois de se formar em Física na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e passar pela Universidade Glasgow, na Escócia, e pela Universidade da Califórnia (UCLA). Ele entrou na Nasa inicialmente para trabalhar com lasers, sua especialidade, mas depois foi convidado a liderar o grupo que construiu os transmissores e receptores do radar que controlou a descida do robô Curiosity em solo marciano – uma área na qual ele adquiriu experiência durante trabalhos anteriores em empresas de telecomunicações por fibra óptica.Segundo ele, uma das contribuições dessas missões com rovers é preparar o terreno para viagens com humanos ao planeta vermelho.
“Um dos instrumentos do Curiosity, por exemplo, mede radiação. Precisamos saber o nível de risco que os astronautas enfrentariam em Marte. Agora, nesta nova missão, se conseguirmos trazer amostras para a Terra será um processo de desenvolvimento da tecnologia de como trazer coisas de volta”, afirmou entrevista ao Estadão. “O Perseverance também tem um instrumento que vai tentar demonstrar a produção de oxigênio em Marte.”
Gontijo acredita, porém, que o feito de uma viagem tripulada para Marte ainda está longe. “Os problemas tecnológicos, biológicos e psicológicos são gigantescos. Ainda tem muita coisa a ser desenvolvida. Mas os problemas podem ser resolvidos, com certeza, porque são questões de engenharia e engenheiros conseguem procurar soluções”, diz. “Mas não arriscaria uma previsão.”
Semanas antes do lançamento do Perseverance, os ânimos estão tranquilos: “Acho que vai dar tudo certo. O veículo já foi todo testado e montado dentro do foguete. Esperamos fazer essas descobertas de material orgânico genuinamente marciano. Isso vai revolucionar o nosso entendimento sobre Marte.