Limeira revela um cenário interessante no setor de alimentação. De acordo com um estudo inédito realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), aproximadamente um terço dos restaurantes cadastrados no aplicativo de entrega de comida mais popular do Brasil, o iFood, são dark kitchens. Esses estabelecimentos exclusivos para delivery surgiram com força durante a pandemia de covid-19, e a pesquisa buscou investigar e caracterizar essa tendência.
As dark kitchens se diferenciam dos restaurantes convencionais por não possuírem instalações destinadas ao consumo no local. Além disso, elas estão localizadas em áreas mais afastadas dos centros urbanos, oferecendo principalmente pratos da culinária brasileira, lanches e sobremesas. Uma vantagem adicional é que esses estabelecimentos costumam ter preços mais acessíveis do que os restaurantes tradicionais. Essas descobertas e outras conclusões relevantes foram apresentadas em um artigo científico publicado na revista Food Research International.
O estudo conduzido pela Unicamp envolveu a coleta de dados em três centros urbanos: Limeira, Campinas e São Paulo. Os pesquisadores utilizaram técnicas de mineração de dados para obter informações sobre 22.520 restaurantes cadastrados no iFood, incluindo nome, URL, endereço, CNPJ, distância até o centro da cidade, tempo estimado de entrega, avaliação dos usuários, tipo de comida oferecida, agendamento de entregas e rastreamento do pedido.
Após essa primeira etapa, os primeiros mil estabelecimentos localizados a partir do centro de cada cidade foram classificados como dark kitchens (27,1% em Limeira, 35,4% em São Paulo) ou como restaurantes convencionais (65,2% em Limeira, 59,9% em São Paulo). Além disso, houve uma pequena parcela de estabelecimentos indefinidos (7,7% em Limeira, 5,1% em São Paulo), sobre os quais não foram obtidas informações suficientes.
O professor Diogo Thimoteo da Cunha, coordenador da pesquisa e especialista em nutrição da Unicamp, destaca que o número de dark kitchens pode ser ainda maior do que o levantado no estudo. Isso ocorre porque a plataforma do iFood não exige a divulgação dessa informação para o consumidor, dificultando a obtenção de dados completos. Como resultado, foi necessário realizar um trabalho investigativo adicional, utilizando redes sociais, o Google Street View e até mesmo visitas presenciais aos estabelecimentos para obter informações precisas.
Segundo a pesquisadora Mariana Piton Hakim, também do LabMAS da Unicamp, foi observado que as dark kitchens das três cidades estão localizadas em áreas mais distantes dos centros urbanos. Essa localização periférica contribui para a redução dos custos de produção e, consequentemente, para a oferta de preços mais baixos em comparação aos restaurantes convencionais. No entanto, os restaurantes tradicionais obtiveram avaliações superiores dos usuários, especialmente em São Paulo, além de contarem com um maior número de avaliações, provavelmente devido à maior visibilidade e reputação desses estabelecimentos.
Outros dados interessantes extraídos da pesquisa foram os tipos de comida mais comuns nas dark kitchens. Em São Paulo, destaca-se a culinária brasileira em 30,3% dos casos, enquanto em cidades menores como Limeira e Campinas, lanches e sobremesas lideram em 34,7% dos casos. Além disso, foram identificados diferentes modelos de organização das dark kitchens, como cozinhas independentes, compartilhadas, franquias e até mesmo instalações localizadas em residências.
Um ponto importante levantado pelos pesquisadores é a necessidade de entender melhor as condições higiênico-sanitárias desses estabelecimentos. Embora as dark kitchens sejam frequentemente associadas a problemas como barulho, mau cheiro e trânsito de motoqueiros em áreas residenciais, é essencial compreender as regulamentações adequadas para esse modelo de negócio. O professor Cunha ressalta a importância de fortalecer o setor, garantindo sua legalidade e proteção ao consumidor, mesmo considerando as dificuldades atuais da vigilância sanitária em fiscalizar cozinhas domésticas.
Os pesquisadores da Unicamp planejam estender suas investigações sobre as dark kitchens, incluindo visitas a esses estabelecimentos para observar seu funcionamento, identificar falhas sanitárias e entender a percepção dos produtores. Além disso, o estudo conta com a participação de instituições nacionais e internacionais, permitindo uma comparação do setor em diferentes países.
A Unicamp buscou um posicionamento do iFood por meio de sua assessoria de imprensa, mas não obteve resposta.
O que são as Dark Kitchens?
Ps Dark Kitchens são estabelecimentos exclusivos para delivery, que operam sem instalações para consumo no local. São cozinhas especializadas em produzir alimentos para entrega, sem a necessidade de um espaço físico destinado ao atendimento dos clientes.