O fogo, salvo raras exceções, é resultado de uma ação humana. Alguém ateou fogo. Essa ignição ocorre porque uma pessoa provocou o fogo, seja intencional ou acidentalmente. O fato de haver um volume gigantesco de focos de incêndio na Amazônia e no Pantanal neste ano, porém, envolve uma série de fatores que colaboram para os números recordes da tragédia.
Paulo Moutinho, doutor em ecologia e cientista sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), explica, na maioria dos casos, os incêndios ocorrem em áreas abertas de pastagens e áreas que são desmatadas nos períodos das chuvas, seja para roubo de madeira ou para expansão de terras para pasto, plantio ou mineração. Nas matas fechadas, derruba-se a madeira durante os meses de chuva, entre novembro e abril, para depois queimar esse material no período de seca, entre maio e outubro.
“A expansão dessas queimadas depende da combinação de fatores como um ano muito seco, somado a ano com forte desmatamento, como acontece hoje. O fogo é o elemento principal para limpar a área, depois da ação do desmate”, diz Moutinho.
Estudioso das causas do desmatamento na Amazônia e suas consequências para a biodiversidade, mudança climática e habitantes da região, Moutinho explica que as queimadas que se alastram hoje não só sofrem cada vez mais com os efeitos de uma mudança climática geral, como também são seus principais geradores. É um processo que se retroalimenta. “A mudança climática é ainda mais agravada pelas ações de desmatamento, que resultam nessas queimadas. Essa fumaça sobe para a atmosfera, interage com as nuvens e faz com que as chuvas deixem de ocorrer”.
A consequência desse cenário, a longo prazo, é ter uma Amazônia cada vez mais seca e inflamável, com o fogo sendo parte constante de sua paisagem, o que nunca ocorreu. Isso acontece porque o desmatamento e, consequentemente, a queimada para limpar a área, mudam a vegetação. “Passamos a ter uma savanização, dominada por capim, que pega fogo todo ano.”
Para o especialista, o Brasil tem sido um dos principais agentes de deterioração e fomentador das mudanças climáticas que, hoje, explicam incêndios descontrolados e cada vez mais frequentes em locais como se vê na Califórnia e em áreas da Austrália e África “Vivemos uma atmosfera mais reativa aos extremos climáticos. É o que estamos assistindo em larga escala. Essas regiões estão cada vez mais vulneráveis ao fogo. Estamos assistindo a isso todo ano e vai virar lugar comum se nada for feito para inverter essa lógica.”
Na avaliação de Moutinho, um dos principais problemas enfrentados hoje nas ações de combate ao desmatamento e aos incêndios é ter uma postura política que toma como premissa a ideia de que a situação atual não é grave. Um segundo fator é saber que todos os programas estruturados de médio e longo prazo para conter o avanço dessas ações criminosas foram paralisados. “Falta prioridade e ação efetiva. Falta também um programa de construção para uma cidadania climática. Temos de saber que tipo de cidadão estamos formando para o futuro. Isso, infelizmente, é pouco discutido.”