A Vila Soma, terreno de 100 hectares invadido por cerca de 200 famílias de sem-teto há oito anos em Sumaré, no interior do Estado de São Paulo, será transformada em um bairro urbanizado regular. Após um acordo entre a empresa Fema4 Administradora de Bens, dona da área, e os moradores da ocupação, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu extinguir a Ação Cautelar (AC) 4.085 sobre a disputa do imóvel invadido em julho de 2012 e que hoje já tem cerca de 10 mil pessoas.
“Foi feito um bom acordo”, disse o empresário Paulo de Tarso Magalhães, da Fema4, explicando que o processo de regularização da área segue a lei 13.465/17, da Regularização Fundiária Urbana (Reurb). “Foi um trabalho colossal nos últimos 8 meses entre a Associação (moradores) e a Fema”, contou Magalhães, destacando que “não há dinheiro público no negócio”.
A empresa comprou a área em um leilão judicial em 2016 por R$ 6 milhões e negocia a venda dos lotes direto com os moradores. Na decisão do STF, publicada no último dia 5, a ministra Cármen Lúcia explica que processo anterior “transitou em julgado” no dia 28 de março.
“Examinados os elementos havidos no processo, decido”, prossegue a ministra, firmando: “Julgo prejudicada a presente ação cautelar (inc. IX do art. 21 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal), prejudicados os agravos regimentais. Intime-se, com urgência, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Publique-se.”
Agora, segundo a Fema e representantes das 2,5 mil famílias de moradores, o processo de urbanização depende somente da homologação na prefeitura da cidade para que a Vila Soma se transforme em um bairro normal, dividido em lotes registrados e ruas públicas.
Cada dono de lote vai ter uma dívida com a Fema. Pelo plano, atualmente a associação de moradores recolhe o dinheiro das prestações pagas pelas famílias e repassa para a empresa. Após a homologação, cada dono de lote vai assumir a dívida, “como em um loteamento normal”, explicou Magalhães. Pelo acordo entre Fema e moradores, as prestações mensais devem ser de até R$ 250 para terrenos com 125 m2.
Urbanização
Documentos da operação, com datas de 2019, mostram que havia cerca de 6 mil pessoas na área quando foram feitos os estudos técnicos. Desde o ano passado, peritos trabalham no local para detalhar como será o novo núcleo habitacional que surgiu ao lado do Ribeirão do Quilombo, a 4 quilômetros do centro de Sumaré. O local tem um total de 1.023.528,8490 metros quadrados (100 hectares), três avenidas e 27 ruas, sendo o principal acesso pela Avenida Soma, nome de uma das antigas fábricas que encerraram atividades no local em 1990.
O estudo define a área como “núcleo urbano consolidado”. Eles identificaram cada um dos acessos e ruas e descrevem as atuais condições precárias ou provisórias de fornecimento de água, rede de luz e esgotos. “Na altura da residência correspondente ao número 29 (numeração não oficial), até o início da Av. Soma, utilizam rede de esgoto pré-existente da antiga fábrica”, diz a descrição detalhada das condições de cada uma das ruas ou avenidas. O abastecimento de água, em grande parte dos casos, é por poço artesiano ou por caminhão-pipa.
Invasão
Em janeiro de 2016, quando houve a tentativa de desocupação da área com força policial, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, mandou suspender a operação de despejo, evitando um conflito com moradores que prometiam resistir ao despejo.
A invasão da área começou com cerca de 200 famílias. O relatório mostra, porém, que o número foi se alterando no decorrer da disputa judicial. Quatro meses depois, o grupo tinha 611 famílias. Em fevereiro de 2014 já eram 755 famílias, chegando, em junho de 2015, a 2.151 famílias.
O documento diz ainda que “o último cadastramento social” da Prefeitura de Sumaré, de setembro de 2017 a maio de 2018, identificou 2.066 famílias, num total de 5.975 moradores, na área de 2.480 lotes.
O perfil da comunidade, apresentado no estudo dos técnicos, contém um detalhado censo sobre a região. “No universo dos responsáveis pelo domicílio, as mulheres lideram, sendo 54,3% dos lares sob sua responsabilidade”, informa o documento. Há também quase uma igreja para cada uma das 30 ruas: o estudo encontrou registro de 22 igrejas. No perfil da renda domiciliar, encontra-se 79% dos moradores vivendo com menos de dois salários mínimos.
Para os moradores da Vila Soma, a decisão da ministra e o acordo com a Fema representam uma vitória na luta por moradia. O líder da associação, Edson Gordiano da Silva, o Edinho, comemora a decisão como uma conquista. Para o presidente da Câmara de Vereadores de Sumaré, Willian Souza (PT), que acompanhou todo o processo de ocupação da área pelos moradores da Vila Soma, “o processo de regularização fundiária da Ocupação Vila Soma já está bastante adiantado”. “Resta apenas a aprovação técnica por parte da Prefeitura de Sumaré, que desde a semana passada já está de posse do projeto para análise”, emendou.
Covid-19
Nos últimos dias, a comunidade se organiza para enfrentar a ameaça do novo coronavírus. Eles montaram uma cozinha comunitária que prepara e distribui cerca de 500 refeições por dia, processando doações de alimentos para necessitados ou quem está em quarentena no afastamento social. Edinho conta que a ideia é fornecer pelo menos 400 marmitas na comunidade e outras 100 na vila vizinha.
Defensoria
A Defensoria Pública estadual informou que não cabe mais recurso na AC 4.085. A decisão, porém, não encerra totalmente o processo “Não significa que as chances estão esgotadas”. A Vila Soma é discutida também em outros processos.
De acordo com a Defensoria, “graças ao andamento desta AC 4085/STF, foi viabilizado um acordo extrajudicial entre moradores e a adquirente do terreno, a Fema4. O acordo está sendo desenvolvido desde 2019, ainda na pendência do processo. Assim, as famílias sempre estiveram livres para participar ou não do acordo.”
Segundo esclarecimentos do Defensor Público Rafael Negreiros Dantas de Lima, um dos Coordenadores do Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública de SP, “a Defensoria Pública e o Ministério Público de Sumaré estão acompanhando a evolução dos acordos e do projeto de regularização fundiária, para que não haja ilegalidades na sua formação. A depender da evolução dos contratos a serem feitos e da maneira que o procedimento de regularização fundiária seja conduzido, é possível novas judicialização (o que não é desejado). Porém, no caso do processo acima narrado (AC 4085), não cabem recursos”.
Segundo a Defensoria, “o que se espera e deseja é que todo o caso seja resolvido pelos acordos extrajudiciais, que não onerem os moradores, garantam sua permanência no local e que tudo seja homologado judicialmente.”