Juliana Rezende morreu e não tem uma lápide. Seu corpo nem mesmo chegou a ser colocado em um caixão. Tinha 33 anos quando foi levada por uma onda gigante de lama. Juliana era analista administrativa da Vale e trabalhava aos pés da barragem da mineradora que se rompeu há dois anos, em 25 de janeiro de 2019, em Córrego do Feijão, distrito de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O corpo de Juliana, e de outras dez vítimas da tragédia, não foi encontrado até hoje.
A lama da Vale em Brumadinho matou 270 pessoas, entre empregados, funcionários de empresas terceirizadas, proprietário e hóspedes de uma pousada.
Entre os que já tiveram os corpos encontrados e enterrados está o marido de Juliana, Dennis Augusto da Silva, que tinha 34 anos, também funcionário da mineradora, mas em setor diferente. Trabalhava como técnico de planejamento e controle. Os dois se conheceram na empresa. Um enlace iniciado e bruscamente interrompido dentro da Vale.
O casal teve filhos gêmeos. Eram bebês de colo quando os pais morreram. Hoje têm dois anos e oito meses. “É tudo muito triste”, lamenta Josiana Rezende, de 32 anos, enfermeira, irmã de Juliana. Ela cuida das crianças junto com seus pais, que têm a guarda dos garotos. Todos moram na mesma casa. “Os meninos foram muito planejados. Mas nem ela nem o marido tiveram tempo suficiente para conviver com os filhos. Esse direito foi tirado. Isso traz uma revolta muito grande. Olhar para os meninos e saber que vão crescer sem pai, sem mãe. Por mais amor que a gente dê, não é pai e mãe. Isso foi tirado deles”, afirma a tia
Mas é também a partir dessas pequenas duas vítimas vivas da Vale que a família busca forças para continuar. “A convivência com os meus sobrinhos é uma motivação para seguir em frente, para seguir lutando, para que todos os corpos sejam encontrados. Para que todas as famílias possam fechar esse ciclo e iniciar o processo de luto. Precisamos disso para conseguir seguir adiante”, aponta Josiana.
A irmã de Juliana conta que o sofrimento dos pais a deixa muito sensibilizada nesse processo de espera, que classifica como angustiante, e recorda percalços durante as buscas, que chegaram a ser suspensas na pandemia do novo coronavírus. “Minha irmã era extremamente bondosa, amorosa. Muito próxima de todos da minha casa. Era uma família muito unida. Continuamos a ser”, afirma.
Não há qualquer garantia de que os corpos de Juliana e das outras dez vítimas sejam encontrados. As buscas acontecem em um volume de 11 milhões de metros cúbicos de lama, o equivalente a 4,4 mil piscinas olímpicas.
O Corpo de Bombeiros coloca diariamente 60 integrantes de seu contingente à procura das vítimas, dos quais 40 na chamada zona quente, que é a área total invadida pela lama. O contingente já chegou a ser bem maior, ultrapassando 300, na fase inicial das buscas.
A estratégia adotada pelos bombeiros atualmente, porém, é diferente. O trabalho manual é em sua maior parte substituído por máquinas. São 91, sendo 42 retroescavadeiras. O Corpo de Bombeiros segue afirmando que há chances de os corpos serem encontrados, e, por isso, continua o trabalho.
As últimas duas localizações de corpos do desastre foram anunciadas pela Defesa Civil de Minas Gerais em 28 de dezembro de 2019. Por causa da pandemia, as buscas foram suspensas em 21 de março do ano passado e retomadas em 27 de agosto.
Reparação
A mineradora se posiciona por comunicados. “A Vale reconhece, desde o dia do rompimento, sua responsabilidade pela reparação integral dos danos causados. A empresa tem prestado assistência às famílias e regiões impactadas, buscando restaurar a dignidade e meios de subsistência, seja através de ações diretas nas regiões, seja através de acordos individuais com famílias das vítimas e atingidos. Até o momento foram pagas cerca de 8.700 indenizações individuais.”
A Vale diz ainda que “considera fundamental reparar os danos causados de maneira justa e ágil e tem priorizado iniciativas e recursos para este fim”. Vem se recusando, porém, a fechar acordo que não envolve indenizações pessoais, mas o pagamento de uma compensação ao Estado pelos danos causados pela sua lama.
A Justiça de Minas conduziu processo de mediação, com reuniões iniciadas em outubro. Após cinco audiências no Tribunal de Justiça, as negociações foram encerradas sem acordo no último dia 21.