Os primeiros 30 brasileiros deportados dos EUA pelo presidente Joe Biden desembarcaram ontem no Aeroporto Internacional de Confins, região metropolitana de Belo Horizonte Todos viajaram algemados, por determinação dos americanos, a exemplo do que ocorreu em outros voos fretados pelo governo de Donald Trump, que tinha uma posição abertamente hostil aos imigrantes ilegais. A informação de que Biden retomaria os voos de deportação de brasileiros foi antecipada pelo Estadão
Inicialmente, autoridades americanas e brasileiras chegaram a divulgar que 106 imigrantes presos nos EUA embarcariam de volta ao Brasil. Procurado para explicar a diferença nos números, o Itamaraty informou, em nota, que “a organização do voo é de responsabilidade do governo americano”.
“Segundo informações das autoridades migratórias americanas, alguns deportados obtiveram judicialmente a suspensão da ordem de deportação e outros teriam sido submetidos, nas instalações de detenção onde se encontravam, a testes de antígeno para detecção de covid, em vez dos testes RT-PCR exigidos pela legislação brasileira para ingresso em território nacional. A Embaixada dos EUA em Brasília poderá dispor de informações adicionais”, dizia a nota do Itamaraty.
Uma fonte do governo americano confirmou ontem que o problema foram os exames de covid. A Polícia de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês), ligada ao Departamento de Segurança Interna dos EUA, não conseguiu ter os exames prontos 72 horas antes do embarque para todos os deportados, por isso despacharam apenas 30 pessoas. Um passageiro deportado, que não quis se identificar, disse que 18 pessoas foram retiradas de dentro do avião no Estado da Louisiana, de onde o voo partiu.
O sonho do mineiro Régis Paulo Pacheco de buscar uma vida melhor nos EUA durou apenas 75 dias. Na tarde de ontem, ele estava entre os deportados que desembarcaram em Belo Horizonte. Todos eles, que estavam detidos após entrarem ilegalmente em território americano, viajaram com mãos e pés acorrentados por determinação das autoridades dos EUA.
“É um sonho que ainda pretendo realizar um dia”, disse Pacheco ao Estadão, visivelmente abatido, logo após desembarcar. Mesmo viajando algemado, o mineiro de São João do Manteninha, a 500 quilômetros de Belo Horizonte, não reclama do tratamento que recebeu da imigração.
“Foram muito educados”, disse. Ele trabalhava em uma fábrica de roupas íntimas em Minas Gerais, antes de se arriscar na fronteira do México.
A jornada do carpinteiro e pedreiro Raulisson, de 44 anos, foi bem mais longa – e sofrida. Ele viveu ilegalmente 17 anos nos EUA até ser preso, 7 meses atrás, quando morava na rua. “Eu trabalhava na construção civil em Everest (Estado do Kansas) e sofri um acidente. Tive traumatismo craniano, várias fraturas e fiquei sem condições de trabalhar. Tive de morar na rua. Há sete meses, fui preso”, conta o brasileiro, nascido em Belo Oriente, a 253 quilômetros da capital mineira.
Decepção
Com lágrimas nos olhos, ele parecia sem rumo ao desembarcar em Confins. “Eu estava em processo de legalização nos EUA quando fui preso. Quero tentar seguir com isso”, sonha o carpinteiro. Logo após desembarcar, ele já perguntava onde poderia comprar passagem de ônibus para Belo Oriente. O alívio para tanto sofrimento seria reencontrar os pais e o filho.
Nem Raulisson nem Pacheco foram vacinados contra covid pelo governo americano, diferentemente de outros deportados. “Não sei qual foi o critério que adotaram”, afirmou Pacheco. Os dois saíram de cidades que ficam no Vale do Rio Doce, próximo a Governador Valadares, conhecida por ser um centro de ação dos coiotes, criminosos que chegam a cobrar mais de R$ 20 mil para viabilizar a travessia ilegal para os EUA.
O cabeleireiro Sueverson Guimarães, de 22 anos, pagaria R$ 23 mil para os traficantes. No entanto, como foi preso ao cruzar a fronteira, não precisou desembolsar o valor. Ele ficou 91 dias detido e não hesita em dizer que voltará o mais rápido possível. “Na semana que vem, estou indo de novo. No Brasil, não há condições de ficar.”
Guimarães é de Vale do Paraíso, em Rondônia. No voo com ele, a conterrânea Adailsa dos Santos, de 24 anos, criticou o tratamento recebido pelas autoridades migratórias dos EUA. “Fiquei 25 dias presa e fui cruelmente maltratada. Não entendi o porquê. Só queria trabalhar”, lamentou.
Os 30 brasileiros que chegaram ontem a Belo Horizonte fazem parte do primeiro grupo de imigrantes ilegais deportados em voos fretados pelo governo Biden. A maioria é do leste mineiro, mas também havia pessoas do Espírito Santo, de Goiânia e de Rondônia (Colaborou Beatriz Bulla)