A redução do crédito para financiamento de imóveis, o desemprego em alta a partir dos anos de crise e a queda na renda das famílias tornaram o sonho da casa própria ainda mais distante para milhares de brasileiros. O déficit habitacional do País, que já era elevado, aumentou em mais de 220 mil imóveis entre 2015 e 2017, batendo recorde.
Um levantamento feito pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV) aponta que o déficit de moradias cresceu 7% em apenas dez anos, de 2007 a 2017, tendo atingido 7,78 milhões de unidades habitacionais em 2017.
“Chegamos ao recorde da série histórica de déficit habitacional. Hoje, ele ocorre, sobretudo, pela inadequação da moradia – famílias que dividem a mesma casa, moram em cortiços, favelas – e pelo peso excessivo que o aluguel passou a ter no orçamento das famílias no últimos anos”, afirma Robson Gonçalves, da FGV.
Ele explica que a maior parte do déficit é formada por famílias que ganham até três salários mínimos por mês, mas a demanda por moradias também atinge consumidores de rendas intermediárias, que viram o mercado de trabalho ficar instável nos últimos anos e o crédito imobiliário mais escasso.
“As famílias querem ter a própria casa, mas as incertezas dos últimos anos tornaram essa vontade mais distante para a maior parte”, afirma Gonçalves. “O brasileiro que não perdeu o seu emprego ficou com medo de ficar desempregado e adiou a compra da casa; e muitos dos que ficaram sem trabalho tiveram de interromper um financiamento no meio.”
No ano passado, mesmo com o início da recuperação da economia, o desemprego ainda alto e a falta de confiança do consumidor fizeram a concessão de crédito andar de lado. Em 12 meses até setembro, o crédito imobiliário concedido era a metade dos recursos emprestados às pessoas físicas em 2014.
Novo ciclo
Apesar dos resultados ainda tímidos, a expectativa das construtoras e incorporadoras é de que, passadas as eleições, o mercado de trabalho mantenha uma trajetória de recuperação este ano e a busca por imóveis volte a crescer. O levantamento FGV/Abrainc também aponta que, para atender à demanda por moradia no País nos próximos dez anos, seria necessário construir 1,2 milhão de imóveis por ano.
“É uma oportunidade para o mercado, são poucos os países do mundo que têm uma demanda tão expressiva”, diz Alexandre Frankel, presidente da Vitacon. “Vemos um novo ciclo se formando no setor e, se tudo correr bem na economia, os próximos dois anos podem ser de retorno a um momento melhor do mercado imobiliário.”
“Temos de olhar com otimismo para o mercado, que é saudável e tem uma forte demanda, não só dos consumidores de baixa renda. A demanda é grande entre os que dependem de financiamento com recursos da poupança também”, avalia o presidente da MRV, Eduardo Fischer. Ele lembra que os juros básicos estão em um patamar baixo, a 6,5% ao ano, o que alivia na hora de contratar um financiamento imobiliário.
A empresa também espera lançar mais empreendimentos este ano do que em 2018, e quer aproveitar o aquecimento da demanda para voltar a vender imóveis de padrão mais alto, de olho nas famílias de classe média que adiaram a compra da casa própria durante a recessão.
Já o superintendente da Trisul, Lucas Araújo, estima que a demanda habitacional só na cidade de São Paulo aumente em 25 mil moradias por ano. Ele diz que as dificuldades do setor para zerar esse déficit passam pela dificuldade de se tomar crédito e a demora na aprovação de projetos nas prefeituras.
“Estamos falando de um mercado em que a demanda por moradias é crescente. Mesmo durante a crise, as construtoras focadas no público de baixa renda tiveram um bom desempenho e o consumidor que não pôde financiar um imóvel não desistiu de comprar sua casa, só adiou.”
Gonçalves, da FGV, alerta, porém, que o novo governo ainda não foi claro se pretende dar um novo uso para os recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), importantes para financiar o setor imobiliário, e sobre o futuro do programa Minha Casa, Minha Vida.