Cerca de 10% dos casos de câncer no Brasil têm como causa primária alguma alteração genética, o que representa quase 50 mil casos por ano. Apesar de serem uma minoria, esses casos podem ser prevenidos ou tratados precocemente com estratégias de oncogenética. No entanto, essas intervenções ainda não fazem parte da rotina do Sistema Único de Saúde (SUS), o que especialistas consideram uma falha de equidade.
Oncogenética: o que é e como atua
A oncogenética é a área da medicina que estuda a predisposição genética para o câncer. Segundo Miguel Moreira, pesquisador do Grupo de Câncer Hereditário do Instituto Nacional do Câncer (Inca), identificar a presença de mutações genéticas pode salvar vidas:
“Com a detecção de uma mutação, a pessoa pode adotar estratégias de prevenção primária, evitando o desenvolvimento do tumor, ou de prevenção secundária, descobrindo o câncer em estágio inicial e aumentando as chances de cura.”
Ainda segundo Moreira, enquanto planos de saúde oferecem testes genéticos e tratamentos específicos, o SUS não os disponibiliza de forma ampla, criando desigualdades no acesso à saúde.
Cânceres hereditários: dados alarmantes
A diretora da Rede Brasileira de Câncer Hereditário (Rebrach), Patrícia Ashton-Prolla, aponta que, para alguns tipos de câncer, os casos hereditários representam proporções muito maiores:
- Câncer de ovário: 25% são hereditários;
- Retinoblastoma: 40% têm origem genética;
- Pessoas com mutações específicas têm até 10 vezes mais risco de desenvolver câncer ao longo da vida.
Patrícia explica que praticamente todos os tipos de câncer hereditário poderiam ser prevenidos ou tratados precocemente com o uso de testes genéticos, mas o SUS ainda não oferece esses recursos de forma abrangente, exceto em situações específicas.
Avanços e desafios no SUS
Em outubro, o Ministério da Saúde incluiu o medicamento olaparibe no tratamento de câncer de ovário e endométrio de origem genética, junto à realização de testes genéticos para identificar quem pode receber o remédio. No entanto, a medida é considerada limitada:
“A portaria prevê a detecção de apenas dois genes, mas há outros que também podem provocar tumores. É uma vitória parcial e só beneficia um pequeno grupo de pacientes com doença avançada. Não resolve o problema da prevenção e identificação precoce”, critica Patrícia Ashton-Prolla.
O apelo dos especialistas
Os especialistas reforçam que, para que o câncer hereditário seja efetivamente enfrentado, é necessário ampliar os testes genéticos no SUS, incluindo familiares de pessoas com mutações, e disponibilizar tratamentos preventivos, como cirurgias redutoras de risco e exames periódicos.
O Ministério da Saúde foi procurado para comentar a ausência de políticas mais amplas de oncogenética no SUS, mas não respondeu até o momento.