Após quase três décadas trabalhando como gerente de vendas de imóveis, Salomão Sousa, de 57 anos, se viu sem saída: com sua principal fonte de renda prejudicada pela recessão, as comissões, que em alguns meses passavam de R$ 80 mil, sumiram. “A crise chegou sem avisar”, diz.
Sem pensar duas vezes, ele guardou o diploma de Direito e se tornou motorista do Cabify há dois anos e meio. “Não foi planejado, mas passei a adorar o trabalho. Todos os dias, saio de casa com uma meta de corridas a cumprir. Comecei usando o carro da minha mulher e, hoje, ela também trabalha no app.”
As plataformas de mobilidade e de entrega de produtos, como Uber, 99, Cabify e iFood, têm 5,5 milhões de profissionais cadastrados, segundo o Instituto Locomotiva. Esse total inclui profissionais autônomos e os que têm emprego fixo, mas usam apps como complemento.
As plataformas permitiram que muitos afetados pela crise voltassem ao mercado, diz Carolinne Iglesias, da Cabify. “De forma geral, os motoristas são autônomos que, com o aplicativo, têm suporte e segurança.”
A relação entre motoristas e aplicativos, porém, já rendeu brigas na Justiça, tanto no Brasil quanto no exterior. Em março, a Uber teve de pagar US$ 20 milhões a motoristas que moveram uma ação contra a empresa nos Estados Unidos. Os profissionais alegavam que eram empregados da companhia e não contratados independentes.
Em agosto, uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo reconheceu o vínculo de emprego entre um motorista e a Uber, mas o mesmo tribunal já havia tomado uma decisão em sentido contrário.
A preocupação com decisões judiciais sobre vínculos trabalhistas constava até no pedido de abertura de capital enviado na semana passada pela empresa à Comissão de Títulos e Câmbios dos Estados Unidos (SEC).
Para o economista Sergio Firpo, do Insper, o trabalho com aplicativos foi potencializado pela crise e deve se consolidar como complemento de renda quando o mercado de trabalho melhorar. “Falar em precarização do trabalho pressupõe que essas pessoas teriam emprego, mas 13 milhões delas não têm.”
Delivery
Além dos aplicativos de carona, as plataformas de entrega de produtos também ganharam espaço. Uma pesquisa do Fundação Instituto de Administração (FIA) e da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) aponta que 87% dos entregadores passaram a ganhar mais após usarem plataformas como iFood, Rappi e Uber Eats.
No fim do ano passado, Siomara Rodrigues, de 37 anos, trocou o emprego em um escritório pelas entregas de moto. “Tirei a habilitação e fui para as ruas. Hoje, ganho o dobro do que recebia no outro trabalho.”
Marcos Carvalho, da Associação Brasileira de Online to Offline diz que os aplicativos acompanham as transformações nas relações de trabalho. “É um processo que mira a autonomia do cliente, que escolhe entre vários serviços, e o trabalhador, que atua em diferentes plataformas.”