Integrada por 17 senadores e 21 deputados federais foi realizada, na terça-feira (5), a primeira reunião da Frente Parlamentar pelo Controle de Armas e Munições, Pela Paz e Pela Vida (FP-Controle). Deputados, senadores e representantes da sociedade civil debateram os objetivos da Frente e cobraram a rejeição do Projeto de Lei (PL) 3.723/2019. A proposição, que muda regras para registro e porte de armas de fogo e regula a atividade de colecionadores, atiradores esportivos e caçadores (CACs), poderá ser analisada nesta quarta-feira (6) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Eleita presidente da Frente, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) — que também criou o grupo parlamentar — avaliou que o PL traz preocupação, mas se disse otimista sobre a derrubada do projeto. Ela atribuiu a CACs ameaças sofridas por parlamentares, e, como vários debatedores, questionou a intenção de disseminação de armas num momento em que — avalia — a democracia brasileira está sob ataque do governo federal. Ela citou pesquisa do Instituto Sou da Paz que aponta aumento do número de mulheres negras mortas por armas de fogo dentro de casa.
— A maior vítima é quem está em situação de maior vulnerabilidade, e as mulheres são as maiores vítimas — lamentou Eliziane.
O senador Jaques Wagner (PT-BA), eleito segundo vice-presidente, espera que a Frente tenha sua primeira vitória na derrubada do PL dos CACs, que, para ele, é um “liberou geral”.
— O projeto, do jeito que está, é uma afronta a vida. Precisamos de mais argumentos e menos armas — argumentou.
O primeiro vice-presidente da Frente, deputado Ivan Valente (PSOL-SP), condenou a expansão desordenada de armas de fogo numa proporção muito acima da eventual defesa de direitos do cidadão.
— Na verdade, virou um comércio brutal de armas e treinamento. Isso é base para milícia em nosso país — avaliou o deputado, que acredita que o Senado está mais bem posicionado para avaliar o projeto.
O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) também criticou medidas que facilitem o acesso a armas de fogo. Ele lembrou que, em três anos, o número de associados a clubes de atiradores subiu de 150 mil para quase 600 mil, e avaliou que os CACs “pessoas de bem” estão sendo feitos de inocentes úteis para a propagação de uma cultura bélica.
— O Brasil, nesse momento de trincheira, enfrenta essa cultura, um lobby fortíssimo e um desejo do governo para essa liberação. Podemos ter amanhã uma grande vitória — declarou.
‘Debate responsável’
Representando a organização não-governamental Instituto Igarapé, Michele dos Ramos se pronunciou contra medidas atentatórias à segurança e à democracia, nas quais vê uma ação política baseada no entendimento distorcido do interesse público.
— Esperamos que a Frente possa apoiar um debate responsável com relação a essa política, que não pode ser instrumentalizada em favor de interesses de grupos específicos — disse, citando o comércio de armas e o ganho político com “narrativas de violência e intolerância”.
Gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli também citou os elevados lucros da indústria de armas e chamou atenção para a desproporção entre a eventual demanda por defesa pessoal e a autorização para aquisição de numerosas armas pesadas e de munições que não são rastreáveis.
— O Brasil não quer mais armas. O Brasil quer comida na mesa — resumiu.
Já o deputado Jones Moura (PSD-RJ) defendeu um comércio de armas “extremamente regulado e extremamente controlado” e cobrou debate sobre a capacitação dos órgãos de segurança pública.
— A gente precisa discutir de que maneira nossas forças policiais vão desarmar os armados — afirmou.
Para o senador Jean Paul Prates (PT-RN), por vários decretos e portarias flexibilizando o direito ao uso de armas de fogo, o governo exerceu uma sequência de “provocações ideológicas” a favor de um modelo de armamento rejeitado internacionalmente pelas sociedades mais avançadas.
— Quer se transformar uma atividade [dos CACs] em um pretexto, uma provocação mesmo, para que a sociedade volte a discutir o desarmamento que levamos tanto tempo para conseguir — protestou.
‘Epidemia’
O padre Paulo Renato, representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), também destacou possíveis implicações negativas do armamento da população sobre a democracia. O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) considera que o país vive uma “epidemia de armas e de mortes”. João Pinto Rabelo, da Federação Espírita Brasileira, pediu apoio da Frente na construção de um “país de felicidade”. O policial federal Roberto Uchoa, citando estatísticas, avalia que a disseminação de clubes de tiro é usada como pretexto para que pessoas possam andar armadas. Líder da minoria na Câmara, o deputado Alencar Santana Braga (PT-SP) também chamou atenção para a “moda” dos clubes de tiro.
Representando a Rede Desarma Brasil, Everardo de Aguiar Lopes lamentou a mudança do paradigma no debate do governo federal, que adota as armas como meio de força e controle político. Do mesmo instituto, Elianildo da Silva Nascimento disse que, se entrar em vigor, o PL 3.723/2019 alimentará e fortalecerá o crime organizado, e conclamou o Congresso a ouvir a opinião do povo contra a flexibilização de armas.
Integrante da Comissão Justiça e Paz, Eduardo Xavier Lemos contrastou o “subterfúgio” do privilégio do lazer dos CACs contra o direito da população à segurança. Salette Mayer de Aquino, da Iniciativa das Religiões Unidas, considera que a solução é aplicar o Estatuto do Desarmamento e equipar a polícia. E Maria Izabel Kerti, da campanha Não Somos Alvo, acusou o governo de estimular privilégios de poucos em lugar de promover melhoria na segurança pública.
Mudança de nome
A Frente Parlamentar pelo Desarmamento, criada pelo Senado no ano passado, passou a se chamar Frente Parlamentar pelo Controle de Armas e Munições. A mudança foi efetivada pela aprovação em 23 de março, de projeto de resolução (PRS 7/2022) de autoria de Eliziane Gama. A senadora teve o objetivo de tornar o debate mais “agregante e construtivo” e menos “dogmático”.
“A ideia de ‘desarmamento’ tem mostrado pouca capacidade de atrair para o debate racional todas as pessoas e setores que têm argumentos a apresentar. As cartas já se apresentam marcadas: não se pode ver o assunto do uso de armas senão sob a luz desse valor absoluto (e portanto infértil para o debate) que é o desarmamento”, explicou ela.
Uma das finalidades da Frente Parlamentar passa a ser a promoção dos benefícios sociais do controle de armas. Originalmente, a Frente deveria promover a cultura do desarmamento e a conscientização dos riscos da cultura armamentista. Eliziane afirmou querer alcançar um “ponto intermédio” entre o uso indiscriminado de armas de fogo e o desarmamento total.
Fonte: Agência Senado