Trabalhadores em condições análogas à escravidão foram resgatados em uma chácara na estrada da Barra, na Zona Rural de Limeira (SP), nesta terça-feira (21). Um casal de irmãos e uma mulher eram responsáveis por cuidar de 62 cachorros e 100 gatos de forma degradante.
De acordo com as informações do Ministério Público do Trabalho (MPT), a procurado Clarissa Ribeiro Schinestsck recebeu uma denúncia relatando que os trabalhadores eram mantidos em condições degradantes de trabalho e moradia em uma chácara. Diante das informações foi realizada uma operação conjunta do MPT, Ministério do Trabalho, Polícia Rodoviária Federal e Departamento de Vigilância em Saúde de Limeira.
No local, os agentes identificaram os trabalhadores que seria responsáveis por cuidar dos cachorros e gatos. O casal de irmãos é natural de Piracicaba (SP). Ele teria iniciado a prestação de serviços há mais tempo, e ela, a partir do segundo semestre do ano. A terceira trabalhadora que foi resgatada, foi trazida do estado do Ceará pela empregadora, e também prestava serviços há muitos meses na propriedade.
Foi constatado que os três residiam em um barracão sem condições de higiene, com fiação elétrica exposta, gerando riscos de incêndio. O banheiro não tinha chuveiro, de forma que os empregados tomavam banho por meio da água que saía de um cano, vinda de um poço, cuja qualidade não foi atestada. Eles bebiam a mesma água.
O barracão, de três cômodos, possuía um quarto sem janela e sem iluminação, e o botijão de gás ficava ao lado de uma das camas, propiciando riscos de explosão e asfixia, em caso de vazamento de gás. Não havia armários, obrigando os obreiros a guardar suas roupas dentro de malas espalhadas pelo chão. Uma das trabalhadoras dormia em um colchão sujo, no chão, junto com os gatos.
“As condições encontradas eram subumanas e indignas. A proprietária da chácara propunha aos trabalhadores que comessem os restos de comida dos animais”, lamentou a procuradora.
Todos trabalhavam informalmente, sem registro em carteira de trabalho, e não recebiam salários. A empregadora, eventualmente, dava pequenas quantias em dinheiro aos trabalhadores, e também de forma eventual, enviava um pacote de arroz, outro de macarrão, e alguns ovos. Os trabalhadores tinham que “se virar”, indo buscar cestas básicas em uma igreja distante, todos os meses, sempre de bicicleta.
Mas sempre que saíam da propriedade, a proprietária os ameaçava de expulsão, afirmando, segundo relatos, que preferia que eles não deixassem a chácara em nenhuma hipótese, sempre proferindo palavrões e palavras de baixo calão contra os empregados.
Segundo o MPT, a o auditor fiscal do trabalho que acompanhou o caso lavrou auto de resgate por redução de trabalhadores à condição análoga à escravidão, dando aos 3 trabalhadores o direito de receber o seguro-desemprego.
A empregadora se comprometeu a formalizar os contratos de trabalho e a pagar todas as verbas devidas aos trabalhadores, além de pagar indenização por danos morais individuais no valor de R$ 100 mil aos dois empregados mais antigos, ou dar a eles uma casa no mesmo valor. Para a trabalhadora que ficou menos tempo prestando serviços, a indenização será de R$ 65 mil. Ela tem até dezembro de 2022 para pagar as indenizações, e as verbas trabalhistas devidas devem ser pagas imediatamente.
Pelos danos morais causados à coletividade, a empregadora pagará indenização no valor de R$ 35 mil, reversível ao CAMI (Centro de Apoio Pastoral do Migrante), responsável pelo acolhimento de vítimas de trabalho escravo na cidade de São Paulo.
Os trabalhadores foram levados para um hotel da cidade, que está sendo custeado pela empregadora, bem como a sua alimentação. O custeio pelo transporte das bagagens também ficou por conta da empregadora.
Por fim, o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) estabelece uma série de obrigações relativas à obrigação de manter empregados registrados em carteira de trabalho, pagar salários em dia, manter alojamentos conforme estabelecido em norma trabalhista, entre outras, sob pena de multa por descumprimento.
O Departamento de Assistência Social de Limeira irá acompanhar os trabalhadores, inclusive na abertura de contas bancárias para o recebimento das verbas trabalhistas.
O MPT informou as autoridades municipais competentes sobre a necessidade de acompanhar os cuidados dos animais da chácara, o que é de responsabilidade da proprietária.
Os autos do inquérito serão remetidos ao Ministério Público Federal, para que seja investigada a responsabilidade criminal da empregadora, uma vez que está tipificado no Código Penal o crime de redução de trabalhadores à condição análoga à escravidão.