O Skank anuncia uma parada, uma pausa para “testarem-se fora da única formação que conheceram desde que se juntaram para fazer um som em 1991”, conforme diz o comunicado divulgado por meio de sua assessoria de imprensa. O mesmo texto informa que essa pausa vem “em meio a uma série de ondas aparentemente perfeitas”. “Não teve briga nem nada que pesasse para uma decisão figadal. Somente um desejo por experimentação, por correr riscos e buscar outras formas de realização sem ser como Skank.”
Não há então briga entre os integrantes, insatisfações com relação aos caminhos, crises com possíveis baixas ou qualquer outro desgaste, conforme dizem os músicos. Enquanto o tecladista Henrique Portugal, o baixista Lelo Zaneti e o baterista Haroldo Ferreti se pronunciam sobre a importância de experimentarem livres do signo do Skank pela primeira vez em 28 anos de estrada, Samuel parece querer falar algo a mais em uma outra frase: “Mesmo que o Skank tenha tido mudanças dentro de sua estética até agora, certas coisas são impossíveis de mudar quando se trata de uma relação dos mesmos quatro indivíduos. Quem sabe se hoje individualmente não sejamos melhores do que coletivamente?”
Se os problemas existem, não deveria ser demérito assumi-los. Os integrantes do Skank não se estapeiam em praça pública, como se estapearam Nasi e Edgard Scandurra, do Ira!, no lamentável final de 2007; não querem férias por tempo de serviço, como quiseram os rapazes do Barão Vermelho em 2001, anunciando uma pausa que só seria quebrada em 2004; não estão com sua formação original desidratada, como estão os Titãs, resistindo até o último homem desde 1991, quando saiu Arnaldo Antunes; não foram vítima de uma fatalidade irreparável, como foi a Legião Urbana em 1996, com a morte de Renato Russo, e não parecem contar com um vocalista com anseios de uma carreira solo romântica, como o RPM de Paulo Ricardo.
Descartadas todas as hipóteses que fizeram grupos se retirarem temporariamente ou para sempre de cena, resta crer que não seja este um anúncio estratégico, feito para potencializar a turnê de 2020 como uma grandiosa despedida oficial. Uma marca como o Skank, que fecha contratos de retorno certo tocando para casas cheias mesmo sem um disco novo, não jogaria um capital artístico desses fora por uma temporada de shows de despedida teoricamente mais procurada. Seria a famosa flechada no próprio pé.
O Skank, apesar do respiro de 2018 com Algo Parecido, ou não vinha criativamente bem ou sua criatividade não contava com o mesmo impacto (o que são coisas diferentes). O álbum Velocia, de 2014, a última amostra de produção nova, refletiu um desgaste na recepção mesmo de canções boas, mesmo em formas convencionais, como Alexia e o reggae Multidão. O seguinte, quatro anos depois, já era um projeto gravado ao vivo no Circo Voador com o repertório dos três primeiros álbuns do grupo, Skank, Calango e O Samba Poconé. Depois de ir até onde podiam nas próprias revisitações (em 2010 já havia saído um Ao Vivo no Mineirão), os caminhos eram três: ou um álbum potente e novo, puxado por Algo Parecido, ou alguma inspiração que trouxesse ares do bom Skank de volta, ou a manutenção de uma carreira baseada no passado, ou a despedida. E assim foi.
Samuel Rosa reclamou, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, das mudanças no consumo de música das novas gerações que sua filha de 17 anos o fez constatar. “Minha filha, você não escuta a música até o fim?”, disse ele ao perceber como ela passava de uma para outra depois de escutar pequenos trechos. “Pai”, disse a filha, “ninguém escuta a música até o fim”.
Sua geração sofre mais do que a anterior, de Titãs e Capital Inicial, que viveram a festa dos hits de rádio e dos álbuns conceituais em sua plenitude, e do que a posterior, que já produz com o pensamento de singles e clipes dentro de uma nova cultura de consumo, fria e efêmera. Ainda com lenha criativa a queimar, Samuel e seus amigos precisam se reinventar em suas estratégias e buscarem o frescor de novas canções e produções que furem a bolha dos próprios fãs (a glória e a prisão do artista acomodado) para atingir a geração de sua filha. Os meninos e as meninas de 17 anos sabem cada vez menos sobre o que foi feito antes de 2001.
Há uma outra questão que deixa Samuel Rosa em ligeira vantagem no acerto do “vamos todos experimentar, cada um olhando para si mesmo”. Poderia ser diferente se a natureza do grupo fosse de autossuficiência criativa entre os integrantes, mas Samuel tem uma inserção bem maior no meio, compondo canções com Nando Reis, por exemplo, que lhe garantiam a vida solo até a aposentadoria. As experiências de Portugal, Zaneti e Ferretti podem ser pessoalmente enriquecedoras, mas dificilmente terão o mesmo vulto.
Ao parar assim, sem a mágoa dos divórcios, o Skank passa a habitar um campo onde vivem os Los Hermanos e milhares de bandas anônimas de garagem feitas por amigos de infância que nunca precisaram se importar com o estágio em que se encontram. Quando der vontade, eles se juntam e fazem um som.