Ícone do site Rápido no Ar

Quando algumas atitudes nos ferem a alma

E como eu disse em uma outra coluna, de uns meses atrás, citando Veríssimo “quando você tem todas às respostas, vem a vida e muda as perguntas” … quase isso mesmo ocorreu com a elaboração desta coluna de hoje: tinha meu pré-esboço (como chamo minha idéia inicial), minhas palavrinhas chaves (aquelas que acho que farão sentido às pessoas) e meu tema (super doce e gostosinho). Pronto, era só começar à produção, mas antes, pensei: ‘vou dar só uma olhadinha básica nas redes sociais, só pra quebrar o ritmo do consultório e começar a escrever…’.

Ai, céus! Abri às redes sociais e lá estava estampada a foto de uma adolescente (de uns 14 anos, aproximadamente) gordinha (que até ler o tal ‘tweet’, não sabia ser a Manuela D´Ávila, candidata a vice-presidente na chapa do PT). O que li ali doeu minha alma! Não, não foi por ser Manuela, não seria por ser Joana, Paula, Creusa … O que li ali me doeu pois um ‘comediante’, ‘apresentador’ referiu-se ao sobrepeso de uma adolescente (hoje uma mulher) de uma forma tão pejorativa, tão cruel, tão vulgar, tão baixa, tão ofensiva que pude experimentar a dor dela, sem que a frase fosse pra mim…Não ouso repetir nada do que li ali, não gostaria que quem estiver lendo a coluna de hoje possa experimentar a dor de ver um ser humano sendo tão humilhado, gratuitamente, por pesar uns quilos a mais.

PUBLICIDADE

Alguns podem pensar: “Áh, mas ela é figura pública.”, “Áh, mas eu não gosto dela, não voto no partido dela.”. Esqueçam a figura pública e o cargo a que pleiteia, o partido ao qual se filiou e concentrem-se na gratuidade de uma agressão deste tamanho, desta intensidade e crueldade. Por um minuto, coloquem-se no lugar dela: vendo sua foto de adolescente gordinha (pessoal, familiar, privada) espalhada nas redes sociais com ofensas e ‘piadas’ de uma crueldade digna dos piores tiranos ou dos mais sombrios verdugos! Que coisa mais dolorida se ver ali exposta, devassada, reduzida à falta de beleza (claro que à luz do “gosto refinado” de um ‘comediante’ que acha engraçado humilhar adolescentes e mulheres)… que difícil deve ter sido para ela pensar na mãe dela lendo tal postagem com a foto da filha exposta. Que difícil vai ser explicar à filhinha dela que não precisa se entristecer com aquilo (pois sim, filhos se entristecem ao ver pais expostos assim), pois é apenas a falta de conhecimento do ‘comediante’ sobre o que é engraçado, que é apenas a falta de empatia de um ser humano para com o outro, que é a falta de bom senso de uma pessoa que, na falta de coisa útil para postar, decide humilhar alguém, que é a falta de noção da consequência desta piada de péssimo gosto!

Comediante? Sinto muito, comediante faz rir, faz sátiras inteligentes com assuntos sérios, nos levando à uma reflexão leve e descontraída. Comediantes mesmo são Charles Chaplin, que levava plateias às gargalhadas com gags, Harry Langtin e Roscoe Arbuckle, Jerry Lewis, como não citar Harry Langton e Roscoe Arbuckle ou ainda The Three Stooges: Moe, Larry e Curley, conhecidos no Brasil como Os Três Patetas. Todos excepcionais, muitos deles atemporais e outros engraçados para padrões da época. Áh, mas são de outa época, e atualmente? Temos Gregório Duvivier, Samantha Schmuts, Fábio Porchat, Leandro Hassum e tantos outros, cada um em um estilo, cada um com uma pitadinha de acidez, cada um com seu jeito de fazer rir, sim, gente, comediante faz rir e não ri de alguém e não causa dor para rir de alguém, o nome disso é sadismo (satisfação, prazer com a dor alheia, definição do Dicionário), o nome disso é crueldade!

Bruce Barton diz que “Às vezes, quando considero as tremendas consequências advindas das pequenas coisas … sou tentado a pensar … não existem pequenas coisas.”, e com razão, né?

O médico Caetano Marchesini, que lida especificamente com obesidade afirma que vários estudos sobre a relação entre excesso de peso e suicídio têm indicado que as pessoas que são obesas têm cinco vezes mais probabilidade de serem deprimidas do que aqueles que não são.

Para ele, “Tem havido muita conversa, principalmente na internet, sobre a vergonha da gordura e a relação que as pessoas com sobrepeso têm com seus corpos. Algumas pessoas acreditam que expondo as pessoas obesas e fazendo-as sentir vergonha de seu peso ou hábitos alimentares, realmente ajuda a motivá-las a perder peso.”, No entanto, nada poderia estar mais longe da verdade, segundo ele.

Psicólogos têm feito muitas pesquisas sobre isso e apontam que a vergonha e humilhação não motivam as pessoas, mas podem fazê-las se sentir terríveis consigo mesmas, podendo provoca-las indiretamente a comerem mais e, consequentemente, a ganhar mais peso.

Fato é que a discriminação contra as pessoas com excesso de peso provoca grande dano psicológico e piora o problema, dessa forma, psicólogos dizem que a obesidade pode levar ao suicídio quando as pessoas não dispõem de um acompanhamento psicológico e médico adequados.

Voltando ao Bruce, que citei anteriormente, “não existem pequenas coisas”, pequenas brincadeiras, alguns sarros, quando esses expõem, humilham, satirizam e envergonham ao outro. Não existe uma ‘zuerinha com a gordinha e sua barriga’, ‘com o gordinho e sua tetinha’, não existem zueirinhas saudáveis quando o outro é exposto e envergonhado. Quando é humilhado.

Manuela foi comparada a um jumbo e a um barril de chopp, se não me engano. Outros gordinhos (crianças, pasmem e adolescentes) são comparados a elefantes, jamantas, são chamados dos piores apelidos e estas ações exigem intervenção imediata e clara! O agressor precisa ser consequenciado em seu comportamento repulsivo imediatamente. Deve ser levado à reflexão e a buscar exercitar a empatia, isto é: ser capaz de se colocar no lugar do outro, para sentir como ele sente.

Quanto a você, que quer dar boas risadas, ler ou assistir a uma sátira inteligente, busque um comediante de verdade, isto é, aquele que faz rir, que transforma o cotidiano em engraçado, que a partir do riso, nos leva à reflexão leve e despretensiosa. Charles Chaplin fez rir milhares de pessoas, ainda no cinema mudo, sem dizer uma palavra! É referência até hoje!
Fica um alerta aos pais: Cuidado com o tipo de ‘comediante’ que seus filhos assistem online. Pode ser que estejam sendo ‘agredidos’ com as piadas e tendo sua auto-estima abalada ou pode ser que estejam aprendendo sobre como agredir aos demais e transformá-los em chacota!

Sempre encerro com um convite a reflexão e hoje minha reflexão vem da minha mãe que sempre dizia e diz: “Só é divertido se os dois dão risada juntos. Se um ri e o outro se entristece, não é, nem de longe, diversão!”.

Sair da versão mobile