Durante essa semana que passou, muitos foram os fatos que me fizeram pensar na ética, nas relações pessoais, profissionais, comerciais, enfim, vemos o degringolar de uma sociedade, das relações e dos contatos interpessoais.
Esquecemo-nos daquela premissa básica: “Quero, posso, mas devo?” Tão simples e de tão fácil entendimento, mas tão complexa para colocar em prática.
Assistimos às pessoas parando no: “Quero”, ok, farei! Ou ainda, quando muito, parando no: “Quero e posso: maravilha, estou fazendo já”.
A pergunta D E V O fica pra outro dia, outro mês, outro ano…
‘Perdemos a vontade’ de nos questionarmos se devemos ou não agir da maneira como queremos, apesar de podermos. Não nos questionamos mais sobre os efeitos que isso causa no outro, nas relações, para a sociedade e em nós mesmos. Apesar de, muitas vezes, podermos fazer o que queremos (poder, no sentido de conseguir fazer e não de ser autorizado), precisamos nos questionar se devemos fazer o que queremos se é adequado do ponto de vista ético e ir além, devemos nos questionar quais são os efeitos de nossa ação nos outros, à nossa volta.
Falamos muito pouco sobre ética com nossos filhos. Não damos exemplos de condutas éticas às nossas crianças e adolescentes. Porém, lamentamos quando somos ou quando eles são vítimas da falta de ética alheia ou pior ainda, lamentamos quando vemos nossos filhos sofrendo as consequências de seus comportamentos não pautados em uma concepção e conduta éticas. Esquecemos que plantamos tais problemas e os colhemos.
Leandro Karnal coloca de forma muito acertada que “É importante que deixemos um legado ético e que isso seja ensinado desde cedo para as crianças, pois é neste momento que as bases éticas são construídas no ser humano”, isto quer dizer que devemos sempre nos questionar DEVO, antes de nossas ações. Esse legado passa de geração em geração e transforma uma sociedade. Assistindo a uma palestra do autor citado acima, me peguei pensando em um exemplo que deu, de uma viagem sua ao Japão, para uma palestra. No caminho da Universidade, no trem, uma das palestrantes que dividiriam o dia com ele esqueceu sua bolsa, com documentos, dinheiro, cartões, passaporte e tudo o mais. Ao chegar à Universidade se deu conta do lapso e desesperada foi à coordenação relatar o caso. Ouviram-na com toda a atenção e disseram: “Fique tranquila, professora, o trem volta!”. Pausa na história. Coloquem-se no lugar dela e imaginem o desespero tomando conta de seu corpo, mente e alma. Esqueceu tudo em um trem que foi embora, está relatando a uma autoridade, obviamente para que tomem providências, como chamar Polícia, parar o trem, enfim, tentar salvar a bolsa e escuta que o trem volta. Eu teria tido vontade de sair correndo de táxi seguindo o trem, no desespero. Voltando à história. Enquanto a palestra deles não começava o trem chegou ao destino e retornou, pontualmente, como de costume. A Universidade já tinha deixado um funcionário, devidamente autorizado pela professora, a pegar a bolsa na estação e trazer para ela. Quando findou sua palestra, foi chamada pela coordenação e entregaram-lhe a bolsa, completa, com tudo dentro. Que tinha sido pega pelo funcionário no mesmo assento onde a professora havia esquecido. E ela disse: “Nossa!! Ninguém pegou? Está tudo aqui, meu Deus que maravilha.”. Diante da comemoração a coordenadora, demonstrando não estar entendendo toda aquela felicidade (de acordo com o relato de Leandro Karnal, na palestra), disse: “Mas por que não estaria? É sua bolsa, professora.”.
Pensemos no legado ético que esta sociedade passa para seus filhos, netos, bisnetos e etc. Claro que POSSO pegar esta bolsa. Está aqui solta em um trem, sem dono, sem ninguém que saiba que ela não é minha, mas será que DEVO? Claro que não, a bolsa não é minha. A pessoa que a possui voltará para buscar.
Quando escutei o exemplo, quase cheguei a duvidar da veracidade do mesmo, estando acostumada a conviver em uma sociedade onde cada um tem sua própria ética e, na maior parte das vezes, valida, sem problemas o DEVO, para as piores atrocidades.
Advogados em meio a acordos consensuais sendo negociados, enquanto estudam proposta da parte contrária, dão continuidade ao processo, como se não houvesse nem diálogo entre as partes. Quando ‘encurralados’ culpam a estagiária, apesar de terem assinado a petição. O DEVO peticionar isso, por debaixo dos panos não existiu, seguiu apenas o POSSO. O DEVO culpar a estagiária idem.
Porque em ambos os casos, o POSSO e QUERO falou mais alto. Pergunto-me: Onde está a ética deste profissional, desta pessoa? Está no “QUERO e POSSO… e nem pensarei nas consequências de meus atos”.
Deparamo-nos com pessoas, utilizando-se de seu poder aquisitivo para exigências e pedidos infundados aos demais, sem pensar no DEVO, atendo-se apenas ao QUERO E POSSO. Devo exigir ou pedir ao outro algo impossível, apenas porque quero? Áh que paraíso se esta pergunta existisse.
Nosso dia-a-dia é cercado por exemplos assim, de mini faltas éticas que dia-a-dia vão se tornando perigosamente normais. Ainda esta semana, já ao cair da noite, minha vizinha chegou à casa de carro, com o filho e para sua surpresa, não conseguiu entrar, pois em sua garagem, existia um carro ocupando metade da mesma e a outra metade dele estava em um local também proibido estacionar. Buzinaram. Chamaram. Perguntaram-me se, por ventura, era meu ou de algum conhecido. Diante da negativa, foram a alguns comércios funcionando na redondeza, tentaram achar o dono do veículo, em vão. 20 minutos depois aparece um senhor, tirando sarro da irritação dela e do filho, satirizando as perguntas que faziam, com a resposta: “Tirei a CNH por telefone, não sabiam?” e finalizou “Fui ali, buscar uma pizza”, saiu achando absurda a braveza dos dois. Não pensou, por um segundo, se DEVERIA parar ali, se, de alguma forma poderia prejudicar o dono da garagem.
Pensou, QUERO E POSSO, paro. Ponto final. Trânsito são fontes inesgotáveis de uma ‘ética própria’. Ainda esta semana (loonga), pegando meus filho na escola, virei na rua lateral da mesma (ali concentram-se algumas escolas e o trânsito é complicado este horário e requer cuidado e paciência), rua de mão dupla, seguindo reto, com vários carros atrás de mim, deparo-me com um pai com pressa, na contramão, parado de frente com meu carro, travando todo o trânsito naquela mão. Dei sinal para que voltasse à mão dele e o mesmo ironizou, batendo palmas, insinuando que eu era errada. Ao passar pela janela dele, disse: “Contramão, moço!”. Só escutei a filha dizendo: “Ai, pai não acredito…”. QUERO AGILIZAR PORQUE ESTOU COM PRESSA, POSSO, mas DEVO? Não, não devo, todos estão na mesma fila, aguardando. A fila ao lado está no sentido contrário ao meu, não devo travar tudo, apesar de querer muito chegar em casa rápido.
Ainda esta semana infinitamente recheada de dificuldades no campo ético uma comerciante disse ao cliente, pagador de seu crediário, quando este solicitou recibo: “Quando você comprou, eu não disse que lhe daria o recibo do pagamento, você acha certo agora ficar pedindo?”. Eu até posso não querer dar o recibo, mas não devo deixar de fazê-lo, por razões óbvias.
Vamos refletir, vamos pensar em nossas ações e em como afetam a nós mesmos, aos outros ao meu redor, nos exemplos de conduta ética que damos aos nossos filhos, às crianças. Queremos exigir ética lá dos grandões? Vamos começar sendo éticos nós mesmos.
“É necessário cuidar da ética para não anestesiarmos
a nossa consciência e começarmos a achar que tudo é normal.”
Mario Sergio Cortella