Certo dia, Rogério Ceni visitou o refeitório do centro de treinamento do Fortaleza e notou algo que lhe incomodou: as saladas não eram separadas por itens em cada prato. Havia beterraba junto com brócolis, por exemplo. Pediu para que isso fosse mais bem organizado. Ah, e o azeite deveria estar sempre ao lado, para que cada um temperasse da forma como achasse melhor. Pode parecer uma história tola, mas ela diz muito sobre a sua função, que extrapolou o papel de mero treinador de futebol da equipe, prestes a retornar à Série A do Campeonato Brasileiro.
A verdade é que após um início de carreira frustrante à beira do gramado, sendo demitido do clube onde ganhou o apelido de “Mito”, o ex-técnico do São Paulo encontrou na capital cearense condições de ser uma espécie de manager, função popular no futebol europeu da figura que recebe carta branca da diretoria para agir como uma espécie de treinador/diretor e estipular diretrizes de planejamento dentro e fora de campo.
No caso de Ceni, isso significou pedir ao Fortaleza o que julgasse necessário, da grama bem aparada no CT à privacidade, como treinos fechados à imprensa.
“Constituímos um novo campo auxiliar, qualificamos outros dois campos do CT, construímos uma sala de imprensa, melhoramos cozinhas e refeitórios, montamos uma nova academia, que já está com a estrutura física pronta e os equipamentos comprados”, citou o presidente do Fortaleza, Marcelo Paz, quando questionado pelo jornal O Estado de S.Paulo sobre o que havia mudado no clube com Ceni.
O treinador fez o Fortaleza alterar até logística de viagens. Antes, o check-in nos aeroportos e hotéis era realizado na chegada da delegação aos locais. Agora, um profissional vai antes para agilizar a burocracia. No ônibus, os jogadores já recebem as chaves dos apartamentos em que ficarão hospedados.
A fama de “chato” acompanha Ceni desde os tempos de Morumbi, devido à personalidade forte e a um espírito de liderança aflorado. Características que ele carregou para o Fortaleza e a diretoria, ao menos por enquanto, considera positivas. “É um cara muito exigente, que não deixa passar nada. Se tem algo que não está a contento, ele fala. Porém, nunca é exagero, frescura. É coisa profissional, séria”, garantiu Paz.
O estafe de Ceni conta com Haroldo Lamounier, preparador de goleiros dele durante mais de uma década no São Paulo, o francês Charles Hembert, que o auxiliou no primeiro trabalho como treinador, Nelson Simões, ex-zagueiro tricolor, e Danilo Augusto, preparador físico que trabalhava em Cotia (SP), sede das divisões de base do São Paulo. “Desde o início, o Rogério foi muito bem aceito. As causas que ele propôs, a diretoria acatou. O Fortaleza renovou campo, logística, tudo. Ele usufruiu do prestígio para conseguir melhorias”, disse Lamounier.
Detalhista, Ceni costuma ficar no pé dos jogadores, mas ninguém reclama. Muito pelo contrário. Eles elogiam. “Corrige coisas simples, atitudes, posicionamento, escanteio. Chama de canto e passa a orientação. Todo dia ele cobra, para ninguém se acomodar”, contou o meia Dodô, camisa dez do time.
Viciado em trabalho, o técnico dedica boa parte da rotina aos treinos e estudos. Passa horas vendo vídeos e analisando estratégias para sua equipe e capazes de superar adversários.
Mas tenta aliviar o estresse ao menos duas vezes na semana, normalmente às segundas e quartas, quando vai a um clube chamado Ideal para jogar tênis acompanhado do médico do Fortaleza, Cláudio Maurício, e um grupo de amigos.
Se bem que nas últimas semanas tem sido difícil pensar em algo que esteja fora das quatro linhas. E, no caso de alguém competitivo como Ceni, já não se trata só de conduzir o time ao degrau mais alto do futebol brasileiro. O acesso sem a taça certamente não terá o mesmo gosto, ainda mais no ano em que o Fortaleza comemora o seu centenário. “A gente está liderando o campeonato há 31 rodadas. Então, é lógico que temos de pensar em título”, admitiu Paz.
O contrato de Ceni termina no dia 10 de dezembro. A ideia do Fortaleza é estender por mais dois anos.