Em O Senhor da Festa (Desconcertos Editora), o escritor e jornalista Napoleão Sabóia utiliza o humor e a memória para reinventar a arte da viagem – e ainda apresentar um personagem clássico do romance picaresco. A história é narrada por Charles de Gaulle Rayol, mais conhecido como Charlô, que, como Sabóia, nasceu no Maranhão para depois passar por São Paulo, mudar-se para a Europa, onde desfruta um período em Portugal, até se estabelecer na França.
Em Paris, Charlô decide estudar, mas é constantemente tentado a entrar em aventuras, como participar da nova Ordem Sexual Igualitária e Depilada do Ocidente, um dos frutos dos movimentos estudantis que marcaram a França (e o mundo) em 1968. Ao longo dessa trajetória, Charlô se depara com personagens burlescos e visita lugares ilustres, como a Sorbonne, o que confere uma surpresa ao leitor a cada novo capítulo.
“Demorei quase três anos para escrever o livro que não traz inspiração em personagens reais, mas a composição, a fusão de elementos de diversas individualidades”, observa o autor, em entrevista ao jornal O Estado, do Maranhão, reconhecendo na escrita uma mistura de realidade autobiográfica e de ficção. “Só que, na parte de realidade, o ficcional prevalece de forma esmagadora. Assim, as situações, episódios, os fatos reais são completamente transformados, transfigurados, reinventados. Precisamente para libertar a imaginação das amarras da história verdadeira, mudei, ‘rebatizei’ a cidade de Rosário, berço da narrativa, que passou a se chamar Madalena. Em suma, a imaginação predomina de ponta a ponta.”
Tão surpreendente quanto a narrativa é a linguagem utilizada por Sabóia, regada por uma equilibrada dosagem de leveza, comicidade e ternura, sem se esquecer de um erotismo que, por ser popular, torna a escrita mais dinâmica.
Não é a primeira vez que Sabóia se utiliza do humor e da picardia para transformar seus enredos em modelo de pesquisa – em O Cogitário (1984), o narrador Amphilóphio das Queimadas Canabrava tem sua personalidade desdobrada em seu “coirmão”, o Jegue, oferecendo um vasto material para a psicanálise. “O Cogitário é um romance essencialmente metafórico. Ele nos conta de forma sensorial e plástica a incrível mescla da raça brasileira”, escreve Maria Eunice Furtado Arruda no ensaio Uma Aprendizagem da Antropofagia, publicado na Revista das Letras, de Fortaleza, em 1987. “O tempo e o espaço estão aqui carnavalizados com o objetivo de contar a aventura nordestina na toada de um samba sertanejo.”
A linguagem elaborada é fruto da vasta experiência jornalística de Sabóia, que iniciou carreira no jornal O Imparcial, em São Luís, passando ainda pela Folha de S.Paulo até se mudar para a Paris onde, além de colaborar para a Rádio França Internacional e para a revista Veja, tornou-se correspondente do Estadão e do Jornal da Tarde durante mais de 20 anos, período em que alternou matérias políticas e econômicas com apurações culturais, suas preferidas, destacando-se entrevistas com figuras como Claude Lévi-Strauss e Jorge Amado.