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Mulheres superam desafios e preconceitos no trânsito

“Transportar as pessoas na direção de um veículo é igual a você assumir o controle da sua vida, envolve responsabilidade e também liberdade”. É dessa forma que Jaqueline Ramos da Silva, de 41 anos, define o trabalho de motorista parceira de aplicativo. Foi dirigindo pelas ruas e avenidas de São Paulo que a ex-produtora de audiovisual e ex-corretora de imóveis recuperou a autoestima, abalada após frustrações profissionais.

Assim como Jaqueline, muitas mulheres encontraram no transporte por aplicativo uma forma de conquistar um novo espaço, principalmente em um momento delicado, devido à epidemia de Covid-19 e a crise econômica.

Nas últimas décadas, aliás, elas superaram barreiras, principalmente no campo profissional, muitas vezes fazendo jornada dupla para resolver todas as situações do dia a dia.
No volante, elas já formam um contingente considerável, embora ainda menor na comparação com os homens. No Estado de São Paulo, por exemplo, existem 8.971.813 motoristas habilitadas, o que representa 39% do total. A faixa etária mais significativa é entre 31 e 40 anos, com 2.459.503 condutoras. Os dados são do sistema Infosiga SP, gerenciado pelo Programa Respeito à Vida e Detran.SP

O Distrito Federal, por sua vez, tem o registro de 1 781.765 condutores, com 707.720 mulheres, o que corresponde a 40% do total. Os dados fornecidos pelo Detran-DF são de janeiro deste ano.

Já no transporte por aplicativo, os números seguem em expansão. Hoje, as mulheres correspondem a 5% do total de motoristas cadastrados na base da 99. Entre os passageiros, porém, elas são 60% do público. Para atender a este público, a empresa lançou no dia 3 de março o 99Mulher, recurso direcionado para as motoristas que desejam atender apenas ao público feminino.

Desenvolvida em 2019, a ferramenta passou por um período de testes em 15 cidades brasileiras. Nesta segunda-feira – Dia Internacional da Mulher – a novidade começa a vigorar em todo o País. Para ter acesso, basta a passageira ativar a opção diretamente no aplicativo da 99, que conta com reconhecimento fácil e análise de documentos para garantir que a pessoa ao volante realmente é uma condutora.

A empresa de tecnologia ligada à mobilidade urbana mantém ainda um canal de comunicação para conectar através do app mulheres ao projeto Justiceiras, uma força-tarefa que reúne uma equipe multidisciplinar para orientar e prestar auxílio às vítimas de violência. Só em 2020, a companhia subsidiou 20 mil corridas gratuitas com destino a delegacias da mulher

Preconceito

Apesar dos triunfos e do reconhecimento, algumas barreiras existem, principalmente em segmentos que antes eram quase que ocupados exclusivamente por homens. Além disso, há o preconceito e o fato de o machismo estrutural ditar que mulheres “dirigem mal”. Mas, os números demonstram que o receio com as mulheres ao volante não tem fundamento. Afinal, elas são mais prudentes na direção. No Distrito Federal, por exemplo, dos 389 condutores envolvidos em acidentes fatais em 2019, apenas 10% eram do sexo feminino
Já no que diz respeito às fatalidades, de janeiro de 2015 a janeiro 2021, foram contabilizados em São Paulo 5.876 óbitos de mulheres no trânsito, o que representa 18% do total. Para auxiliar na conscientização de motoristas e passageiros, 99 e Instituto Ethos lançaram recentemente o Guia da Comunidade, com informações relevantes para contribuir com o respeito e a empatia no trânsito.

Ensinamentos importantes

Há quatro anos trabalhando como motorista de aplicativos de transporte, Jaqueline afirma que nunca se envolveu em acidente no trânsito. Diariamente, ela circula em dois períodos pelas ruas da capital paulista.
Satisfeita com a profissão, ela afirma que nem sempre foi assim. No começo, precisou superar a vergonha. “Eu não queria trabalhar no bairro onde moro, não contava para os amigos”, diz

Mas, por que ela decidiu seguir para o trânsito? Produtora de audiovisual com trabalhos reconhecidos, Jaqueline ficou decepcionada com decisões profissionais. “Um dos trabalhos que fiz, só começou a apresentar resultados agora, por exemplo. Recentemente, fui convidada para ministrar uma palestra em uma universidade de Nova York, por conta de um documentário que fiz”, explica. Para pagar as contas e mudar de vida, decidiu trabalhar como motorista de aplicativo.
Entre os apoiadores, está o pai. “O meu carro era antigo e não se enquadrava. Então, meu pai me deu o carro novo dele e ficou com o meu”, destaca. Segundo Jaqueline, rapidamente o amor pelo trabalho ajudou a reconquistar a autoestima.
Com relação ao preconceito, ela afirma que alguns homens ainda ficam com receio. “Alguns costumam ficar indicando o caminho o tempo todo, apontando lombadas, semáforos e buracos”, conta. Um caso, porém, chamou a atenção de Jaqueline. “Em uma ocasião, uma criança com uns 5 anos entrou no carro e falou que mulher não dirigia. Envergonhados, os pais pediram desculpas. Logo falei que não era necessário, pois eles haviam ganhado ali uma ótima oportunidade para ensinar ao filho que as mulheres também dirigem, assim como os homens”, finaliza.

Empreendedora ao volante

Assim como Jaqueline, existem outras histórias de superação. Thaís Braga Melo, de 39 anos, é motorista de app desde 2016. Neste tempo, ela já driblou no trânsito do Distrito Federal cantadas indesejadas e posturas inapropriadas
Ao identificar que outras motoristas parceiras passavam por situações semelhantes, Thaís encontrou no trânsito uma oportunidade de negócio: a necessidade de um espaço direcionado às motoristas de aplicativo. Com isso, construiu em um ponto comercial um local apropriado para as condutoras descansarem, lancharem e lavarem os veículos.
A iniciativa diferenciada deu certo. “Eu mesma que administro o espaço, que funciona em horário comercial. Atualmente, rodo eventualmente, porque a minha prioridade é dar atenção às motoristas”, conta
Com a experiência conquistada durante esse período, Thaís afirma que ainda existe uma visão distorcida sobre as motoristas “Muitos ainda discriminam, acham que a mulher não dirige bem, que precisa ser mais rápida e que podem levar cantada. Por exemplo: neste momento, há uma lei distrital que proíbe passageiro no banco da frente, mas tem gente que insiste. Há uma pressão psicológica sobre a mulher”, relata.

Sem perder a ternura

Quando o assunto é o mundo automobilístico, as barreiras não existem apenas ao volante. A empresária Márcia Zenezi, de 52 anos, sempre gostou de carros. Recebeu os primeiros ensinamentos sobre direção ainda criança, pelas mãos do pai, um instrutor de autoescola que não reunia condições de ter um veículo próprio.
Com 18 anos, ela comprou o primeiro carro, em nome da independência de locomoção. De lá para cá, a paixão pelos automóveis cresceu. Tanto que atualmente ela possui uma franquia de uma das grandes empresas de inspeção veicular do País. “Meu ambiente com lojistas e concessionárias é formado 100% por homens. Não conheço nenhuma mulher dona de agência de automóveis ou de concessionária. Então, estou em um mundo predominantemente masculino. Meus funcionários, meus vistoriadores, são todos homens”, conta.

Neste ambiente profissional com uma grande predominância masculina, Márcia exalta a qualidade das mulheres com relação aos automóveis. “Somos ainda a minoria, mas não como antigamente Os veículos das motoristas são mais conservados. Penso que elas são mais prudentes, se arriscam menos. Por conta disso, a porcentagem de reprovação é menor também. Basta um dos faróis queimar, por exemplo, para a mulher já ficar preocupada. Já entre os homens, esse tipo de situação parece soar mais corriqueira”, fala.
Márcia, aliás, transferiu para a vida pessoal essa confiança conquistada com o trabalho no setor automotivo. Entre as conquistas, superou a depressão e a síndrome do pânico. “Sou uma mulher livre, que não precisa dar satisfação para marido, nem nada. É bem difícil as pessoas entenderem isso. Você pode ser feminina, sensual, e uma profissional incrível”, conclui.

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