Somente 44% dos leitos de unidades de terapia intensiva (UTIs) do País estão no Sistema Único de Saúde (SUS), rede responsável pela assistência médica de três quartos da população brasileira e que corre o maior risco de sobrecarga em caso de surto do novo coronavírus.
No Brasil, apenas 25% da população tem convênio médico e, portanto, acesso à rede privada. Os demais dependem exclusivamente da rede pública. Mas apenas 17,9 mil dos 40,6 mil leitos de UTI existentes no País estão no SUS, segundo levantamento feito pelo Estado no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do portal Datasus. A análise considerou todos os leitos de UTI adultos e pediátricos, excluindo da soma os neonatais.
De acordo com a Associação de Medicina Intensivista Brasileira (AMIB), o total de leitos existentes no País cumpre a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 1 a 3 leitos para cada 10 mil habitantes – o índice brasileiro é próximo de 2. O problema, segundo a entidade, é a distribuição desigual entre as redes pública e privada e entre os diferentes Estados. “A situação fica desequilibrada porque metade dos leitos fica para um quarto da população (usuários de planos de saúde) e a outra metade, para os outros três quartos (do SUS)”, diz Ederlon Rezende, membro do conselho consultivo da AMIB e coordenador do projeto UTIs brasileiras.
Ele afirma que, enquanto os leitos de UTI privados têm taxa de ocupação média de 75%, os do SUS têm 95%. “Embora o coronavírus não seja uma doença grave, cerca de 15% dos infectados vão precisar de uma UTI e o sistema de saúde não está preparado, não temos um fôlego extra no SUS porque ele já está no limite da utilização”, disse.
Rezende ressalta que, em alguns Estados do Norte e Nordeste, nem sequer o índice mínimo da OMS é cumprido. Segundo o levantamento do Estado no CNES, isso ocorre em seis unidades da Federação: Acre, Roraima, Pará, Amapá, Maranhão e Piauí. Em todos eles, o índice de leitos de UTI é menor do que 1 por 10 mil habitantes.
Medidas
O conselheiro da AMIB destaca que, em uma situação de emergência e catástrofe, a recomendação é que se aumente a capacidade dos leitos em 20%, mas isso pode ser feito tanto com a abertura de leitos novos quanto com a gestão dos já existentes, como dando por exemplo a prioridade a atendimentos a pacientes mais graves e com quadros urgentes. “Nesse cenário, você cancela cirurgias eletivas. Nesse tipo de plano, a gente usa uma estratégia chamada de 3 ‘Es’: espaço, equipe e equipamentos”, detalha.
No quesito espaço, ele afirma que os hospitais devem, além de deixar vagos leitos com o cancelamento de procedimentos não urgentes, mapear áreas dentro das unidades que possam ser transformadas em UTI, como os leitos para recuperação do pós-operatório.
No aspecto das equipes, deve-se suspender férias, aumentar as jornadas de trabalho e convocar profissionais de outras especialidades, mas com o cuidado de não sobrecarregar o trabalhador de modo que ele fique doente.
Na parte de equipamentos, ele diz ser fundamental o uso de itens de proteção individual para profissionais de saúde e os respiradores/ventiladores mecânicos para pacientes com quadros agudos de problema respiratório – como os doentes graves da covid-19.
Mesmo que as medidas sejam tomadas, o cenário é preocupante. “Temos dados de que o paciente com coronavírus que vai para UTI fica de 7 a 14 dias lá, o que vai criar demanda alta. Além disso, o ideal é que tivéssemos leitos de UTI com pressão negativa, o que possibilita o isolamento do doente com coronavírus, mas no SUS esse tipo de área é escassa. Com isso, talvez seja necessário isolar UTIs inteiras se ela receber um doente com covid-19”, diz.
Questionado sobre a distribuição dos leitos de UTI, o Ministério da Saúde informou que “tem aumentado a oferta de leitos de terapia intensiva no SUS nos últimos anos”. A pasta diz que o número passou de 22,9 mil para 26,2 mil entre 2016 e 2020, mas não explicou a diferença dos dados para os disponíveis no sistema CNES, plataforma oficial do ministério.
O órgão destacou que ampliará a assistência na atenção primária para a recepção dos pacientes potencialmente afetados pelo covid-19, uma vez que “a maior parte das infecções causadas pelo vírus são leves e podem ser atendidas nesse nível de atenção”. Para isso serão contratados médicos e será ampliado o horário de funcionamento dos postos de saúde.
Exames
A diretoria colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) aprovou, nesta quinta-feira, 12, em reunião extraordinária, a inclusão do exame de detecção do coronavírus no rol de procedimentos obrigatórios para beneficiários de planos de saúde.
A Resolução Normativa foi encaminhada ao Diário Oficial da União e entra em vigor na data de sua publicação. O teste será coberto para os beneficiários de planos de saúde com segmentação ambulatorial, hospitalar ou referência e será feito nos casos em que houver indicação médica, de acordo com o protocolo e as diretrizes definidas pelo Ministério da Saúde.