O tabelamento do preço mínimo para o frete rodoviário – decisivo para acabar com a paralisação de 11 dias dos caminhoneiros que provocou uma crise de abastecimento no País – virou uma armadilha para o governo. Sob pressão, já foram editadas duas versões da tabela e uma terceira está em discussão
A primeira atendeu aos caminhoneiros, mas revoltou o agronegócio, que fala em aumentos de até 150% nos preços e ameaça travar a comercialização. A segunda procurou aliviar o custo aos produtores, mas contrariou os caminhoneiros. O governo se comprometeu em revogá-la. E uma terceira opção estava em discussão nesta sexta-feira, 8.
Mesmo irritados com a revisão, que levou a um corte médio de 20% nos preços, os caminhoneiros se propuseram a buscar uma composição de preços que seja boa para eles e para os usuários de seus serviços. Havia disposição de seguir com as reuniões no fim de semana para chegar a uma tabela de consenso. Mesmo assim, a ameaça de uma nova greve permanece no ar.
O governo não quer contrariar o setor produtivo. Por outro lado, teme que, ao acabar com o tabelamento, haja uma nova greve. Assim, pende de um lado para outro e adia um desfecho. A terceira versão da tabela, que deverá ficar pronta no início da próxima semana, será submetida pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a uma audiência pública que durará de 30 a 45 dias.
Está na mesa, inclusive, estipular na tabela preços diferenciados para os períodos de safra e entressafra. Enquanto continua o impasse, vale a primeira versão da tabela.
Novela
“Isso virou uma novela”, disse o caminhoneiro autônomo Wallace Landim, o “Chorão”, ao chegar nesta sexta para a reunião na ANTT que reformularia a tabela. Ele afirmou que a segunda versão dela fixou em R$ 40 um frete que custava R$ 60 no mercado livre. “A tabela não nos servia, tanto que foi revogada”, comentou o presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga de Ijuí (RS), Carlos Alberto Litti Dahmer.
“Chorão” disse que pode haver uma nova greve, “com certeza”, caso as negociações não sejam bem-sucedidas. Por enquanto, a categoria deu um voto de confiança “forçado” ao governo.
Enquanto os caminhoneiros trabalhavam numa revisão da tabela, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) anunciou que questionará a constitucionalidade do tabelamento do frete no Supremo Tribunal Federal (STF). Em nota, o presidente da entidade, Robson de Andrade, informou que “o tabelamento é insustentável, porque provoca prejuízos extremamente danosos para a economia, especialmente para o setor produtivo, e para a população”.
“A tabela talvez não seja a melhor opção”, afirmou nesta sexta o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, em entrevista à Rádio Bandeirantes. “Foi uma solução tomada num momento de crise, uma negociação difícil e complexa”, admitiu.
Na verdade, toda a área técnica do governo é contra o tabelamento. A única razão pela qual o presidente Michel Temer, professor de Direito Constitucional, assinou uma Medida Provisória (MP) de constitucionalidade duvidosa foi o caos em que o País havia mergulhado por causa da paralisação.
Agora, mesmo sendo contra, o governo luta para manter o tabelamento vivo, por receio de uma nova greve. Vai, inclusive, atuar na Justiça para tentar preservá-lo. Para tanto, pode usar uma “brecha” da Constituição que permite o tabelamento em situações de abuso de poder. No caso, o abuso seria das empresas, que se recusam a embarcar suas cargas com os preços fixados pelo governo. Ainda nesta sexta, o Tribunal Regional Federal da 5.ª Região derrubou liminar que suspendia os efeitos da tabela concedida, na quinta-feira, por um magistrado da Justiça do Rio Grande do Norte.
Sem plano
Não há plano sobre o que fazer caso a MP do tabelamento não seja aprovada no Congresso a tempo e perca a validade. As discussões do governo com as lideranças dos dois lados da disputa vão no sentido de se buscar, na trégua dada pelo período de vigência da MP, um entendimento que permita elevar a renda dos caminhoneiros, principalmente os autônomos. Na contramão desse esforço, está em curso uma articulação entre empresas e caminhoneiros para pressionar o governo. Voltarão à pauta reivindicações como o corte de impostos sobre os combustíveis, em especial o ICMS.