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Financiar SUS é desafio para novo presidente, apontam especialistas em saúde

No ano em que o Sistema Único de Saúde (SUS) completa 30 anos, encontrar novas maneiras de financiá-lo, mantendo a universalização do atendimento com uma integração mais inteligente e responsável entre os setores privado e público, e de olho nas mudanças do perfil epidemiológico do País são os principais desafios que o próximo presidente do País terá para enfrentar na área de saúde.

Em linhas gerais, é o que defendem três especialistas que participaram nesta sexta-feira, 31, do “Fórum Estadão”. Foi a sexta edição de uma série promovida pelo jornal O Estado de S Paulo desde o início do ano para debater os caminhos possíveis para a reconstrução do Brasil à luz das eleições gerais de outubro. Nesta sexta-feira, 31, foram abordadas as medidas necessárias para melhorar as condições de saúde e de educação no País.

Por pouco mais de uma hora, a coordenadora do programa GV Saúde da Fundação Getulio Vargas, Ana Maria Malik, o presidente do United Health Group Brasil, Claudio Lottenberg, e o professor da Faculdade de Saúde Pública da USP Gonzalo Vecina Neto apresentaram sugestões sobre quais medidas mais urgentes, mas também viáveis, podem ser adotadas para melhorar o cenário da saúde no Brasil. O painel foi mediado pela repórter de saúde do jornal Fabiana Cambricoli.

Vecina Neto, que abriu a mesa, defendeu que antes de mais nada o próximo presidente precisa ter em mente que o SUS é fundamental. “Um sistema universal de saúde em um país que está com o tipo de desenvolvimento econômico, social, demográfico que o Brasil tem é insubstituível. Isso não é uma jabuticaba. É uma cópia de coisas mais civilizadas que foram feitas na Europa. Tem de ter plena consciência da importância de manter o sistema universal”, diz.

“É inaceitável os tipos de ataques que o SUS tem sofrido nos últimos anos, desviando para a ideia de ter um sistema de atenção à saúde para pobres e um para rico. Isso seria aceitar uma medida não civilizatória”, complementa.

Isso decidido, continuou o médico, é preciso pensar em como vai se financiar o SUS. “Para isso vai ter de discutir a questão toda de financiamento da sociedade. Revistar questão tributária, fiscal, revistar as renúncias que temos no setor e na sociedade. Revisitar qual bem-estar a sociedade quer e como vai fazer para financiar esse bem-estar”, afirma.

Essa questão passa, por um lado, em rever os próprios modelos assistenciais. “Eles ainda são voltados para atender doenças infectocontagiosas, mas nossa realidade epidemiológica mudou para doenças crônico-degenerativas”, explica Vecina. Por outro ele defende que se criem sistemas regionais de atenção à saúde, em vez de municipais, e uma maneira de alcançar isso, diz, é ampliar a estratégia de saúde da família.

Cooperação
Ainda nesse contexto, ele defende que é preciso melhorar capacidade de cooperar com a iniciativa privada. “Sem ter vergonha. Hoje as pessoas já pensam em privatização, vira palavrão e acabou a conversa. Ter um melhor relacionamento com iniciativas privadas não é privatizar. Tem de ter controle social, controle do estado, transparência. Mas o que não dá é pra ficar na administração direta, porque não tem como.”

Lottenberg, que preside um grupo de saúde privada, defende que o debate sobre falta de financiamento saia do campo politizado. “Vamos passar para um patamar mais elevado. Talvez imaginar que a questão do subfinanciamento de fato é um problema do setor público. E que no setor privado, se este problema não existe, há uma prática assistencial ruim, que leva a uma geração permanente de desperdício. Com isso talvez possamos construir algo mais estruturante e menos compensatório, que é o que vem ocorrendo até o presente momento”, diz.

Para ele, o “SUS melhorará muito quanto mais crescer o privado. É mais recurso que entra na saúde e isso desafoga o SUS”.

O médico defende que o País já perdeu “tempo demais discutindo o que é privado e público”. Lottenberg, que se diz um defensor da inserção do privado no público, sugere que para se evitar o desperdício é preciso focar em atenção primária e coordenação do cuidado. “Existe uma valorização abusiva no mundo do uso da tecnologia, e no fundo as pessoas precisam ser cuidadas, não tratadas. Com menos recursos, poderíamos fazer algumas coisas a mais.”

Para Ana Maria Malik, essa distinção entre cuidar e tratar pode ser encaminhada com um incentivo para que se trabalhe cada vez mais em equipes de forma realmente integrada. “O médico é fundamental, mas não é o único. Por exemplo, quando eu me formei, as profissões de área de reabilitação, como fisioterapia, fonoaudiologia, eram pouco valorizadas. Hoje, com esse perfil (de mais idosos), sem reabilitação não há solução na sociedade. O médico não é mais o profissional que está acostumado a cuidar. São os outros profissionais de saúde, de reabilitação, enfermagem, psicologia trabalham com essa coisa do cuidado.”

Outro caminho para isso, diz a médica, ecoando o que os outros dois participantes destacaram, é fortalecer a estratégia de saúde da família. “É muito inteligente porque desloca o eixo do cuidado do serviço de saúde para a casa da pessoa”, explica.

Clínicas populares
Ainda na questão da integração entre público e privado, um tema que recebeu atenção dos três especialistas foi o avanço das clínicas populares privadas. Para Vecino Neto, elas não mudam o cenário da saúde no País.

“Não resolve a assistência de saúde das pessoas porque é um atendimento pontual. E hoje a nossa carga de doenças exige atendimento contínuo”, comenta.

Lottenberg concorda. “Não sou adepto das clínicas dissociadas de um sistema. Resolvem parte, mas não o processo. Não adianta ter um diagnóstico e depois ter de voltar para a saúde pública. Mas a maior causa de busca por médico é resfriado, depois é dor nas costas.”

Para Ana Maria, é fundamental “considerar os fluxos comunicantes entre público e privado”. Ela defenda que se garanta o acesso. “Para a população, não faz diferença se é público ou privado, mas onde vai ser bem-recebida. O que não pode é um lado empurrar para o outro o que não quer fazer. Terceirização não é empurra, mas combinar o que cada um pode fazer. Cada um fazer o que faz de melhor no âmbito de um sistema. A saúde do País vai funcionar melhorar quando tiver esse arranjo.”

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