A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, suspendeu hoje (28) parte do decreto de indulto natalino, assinado pelo presidente Michel Temer na última sexta-feira (22), por considerá-lo inconstitucional. A decisão atende a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que questionou a legalidade do decreto presidencial que deixou mais brandas as regras para o perdão da pena de condenados por crimes cometidos sem violência ou ameaça, como corrupção e lavagem de dinheiro.
“Indulto não é nem pode ser instrumento de impunidade. É providência garantidora, num sistema constitucional e legal em que a execução da pena definida aos condenados seja a regra, possa-se, em situações específicas, excepcionais e não demolidoras do processo penal, permitir-se a extinção da pena pela superveniência de medida humanitária”, afirmou Cármen Lúcia ao acatar pedido da PGR.
“Indulto não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime. Nem pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito, mas perdão ao que, tendo-o praticado e por ele respondido em parte, pode voltar a reconciliar-se com a ordem jurídica posta”, acrescentou Cármen Lúcia em outro trecho da decisão.
A decisão da presidente do STF suspende os artigos 8º, 10 e 11, além de parte dos artigos 1º e 2º do decreto de Temer. Cármen Lúcia ressalta que se os dispositivos não forem suspensos imediatamente, o indulto transforma-se “em indolência com o crime e insensibilidade com a apreensão social que crê no direito de uma sociedade justa e na qual o erro é punido e o direito respeitado”.
Para Cármen Lúcia, o decreto de indulto natalino também é inconstitucional por incorrer em desvio de finalidade. “Como o desvio de finalidade torna nulo o ato administrativo, compete ao Supremo Tribunal Federal, na forma pleiteada pelo Ministério Público Federal, fazer o controle de constitucionalidade do documento normativo, geral e abstrato como o que é objeto da presente ação”.
Além disso, segundo a presidente do STF, com o decreto, Temer invadiu competência do Judiciário e do Legislativo, o que fere o princípio constitucional da separação dos Poderes.
“Mostra-se plausível, ainda, a alegação de afronta ao princípio da proporcionalidade, vinculada à proibição de se negar a proteção suficiente e necessária de tutela ao bem jurídico acolhido no sistema para garantia do processo penal. Tanto se comprova pela circunstância de os dispositivos impugnados parecerem substituir a norma penal garantidora da eficácia do processo, afrontando a finalidade e superando os limites do indulto. Invade-se, assim, competência típica e primária dos poderes Legislativo e Judiciário”.
Em artigo publicado hoje no jornal O Globo, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, defendeu o decreto e atacou os críticos da medida. O ministro classificou as críticas ao texto como “omissas” e que “configuram má-fé ou ignorância” e “imputam maliciosamente ao decreto propósitos até mesmo de ilicitude e manipulação”.