Uma equipe formada por 15 especialistas do Hospital Brasília se mobilizou para salvar a vida de um bebê na hora do parto. A mãe estava com 36 semanas de gestação e o feto tinha uma malformação grave no pulmão direito, que comprimia o coração e o pulmão do outro lado, impedindo que o neném respirasse ao nascer. A cirurgia foi realizada com um procedimento raro conhecido pela sigla EXIT (Terapia Intraparto Fora do Útero), enquanto parte do corpo do bebê ainda estava no útero da mãe e ele continuava ligado pelo cordão umbilical. A equipe tinha aproximadamente uma hora para realizar a extração do cisto para que não houvesse risco de morte para o bebê. Em 20 minutos, foi realizado o procedimento dentro do útero e desconectado o bebê do cordão umbilical, neste momento já com possibilidade de respirar normalmente o que antes não seria possível pela compressão do tumor torácico do pulmão direito, no restante das estruturas do tórax. O tempo total de cirurgia chegou a aproximadamente 4 horas. Depois de 10 dias de internação e 2 dias de reabilitação, o bebê já recebeu alta e foi para casa, com aleitamento materno.
Ainda no útero da mãe, o bebê desenvolveu um cisto não cancerígeno à direita do tórax que comprimia ambos os pulmões e o impossibilitaria de respirar. A descoberta foi feita durante os exames pré-natal, por volta da 26ª semana de gestação, em uma ultrassonografia morfológica. O acompanhamento foi feito semanalmente por meio de ultrassom, para que os especialistas monitorassem o melhor momento para realizar a extração.
O cirurgião pediátrico responsável pela equipe, Wallace Acioli, explica que, devido à complexidade da enfermidade, que poderia causar uma insuficiência respiratória na hora do parto, havia a recomendação que o bebê fosse operado ainda dentro do útero da mãe. “Há alguns anos, quando se desconhecia a técnica, essa criança poderia ter vindo a óbito, sem que se soubesse a causa”, ressalta.
“A técnica utilizada possibilitou a retirada total do tumor, pois o procedimento EXIT consiste em manter a circulação fetal e oxigenação do sangue via placenta utilizando o cordão umbilical, durante a cesariana até que as vias aéreas do feto estejam asseguradas e a lesão retirada”, explica o cirurgião. O bebê precisa ser mantido oxigenado durante todo o procedimento, e o útero recebe soro quente, para que não haja descolamento da placenta antes do fim da cirurgia.
A anestesia também é uma área que exige cuidados especiais. “Diferentemente de uma cesariana rotineira, a mãe recebeu anestesia geral para o relaxamento uterino. O bebê também é anestesiado”, conta o anestesiologista Mariano Paiva Souza. Ao término do procedimento EXIT, o cordão umbilical é desligado e o bebê passa a respirar por si só. Ele conta que há poucos casos de cirurgias deste tipo no Brasil e no mundo. Os dois centros de referência mundial são na Filadélfia e em Michigan, nos EUA.
O cirurgião responsável pelo procedimento explica ainda a necessidade de uma equipe multiprofissional e um planejamento cuidadoso. “Acredito que o principal ganho foi a capacidade de trabalhar em equipe e de respeitar outros profissionais, cada um vendo seu limite de complementariedade. Isso é um passo muito importante. Tivemos uma equipe bastante grande que teve pouco tempo, mas que o resultado foi uma dinâmica perfeita”. Foram três anestesistas, três neonatologistas, um cardiologista pediátrico, três cirurgiões pediátricos, dois obstetras, um radiologista e mais toda a equipe de enfermagem e fisioterapia.
Nos dias em que esteve na UTI, o bebê respondeu muito bem e passou por todas as fases sem nenhuma complicação, conta a intensivista pediátrica e neonatal Viviana Sam Pietro. “A mãe pode ficar ao lado do filho por todo o tempo e teve todo o amparo para o aleitamento materno O bebê foi para casa sem nenhuma dificuldade, pois, durante os dias em que esteve internado no Hospital Brasília, foi ensinado e incentivado a amamentar, o que ajudou muito a recuperação”, explica a especialista.
No Brasil, as cirurgias com EXIT ainda estão restritas aos grandes centros, porém com casuística pequena, devido às dificuldades de congregar tantos profissionais e recursos para tal procedimento.