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Após 116 anos, um paulista a caminho da presidência

Desde que o paulista Rodrigues Alves foi escolhido por 592 mil eleitores, em 1902, ninguém nascido no Estado mais rico do País conseguiu disputar, conquistar e assumir a Presidência da República em uma eleição direta. Após 116 anos, é provável que esta sina acabe. Os quatro primeiros colocados nas pesquisas eleitorais da corrida pelo Palácio do Planalto nasceram em São Paulo.

Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB) são de Pindamonhangaba, a 153 quilômetros da capital do Estado. Jair Bolsonaro (PSL) é da cidade de Glicério, a 500 quilômetros de São Paulo. Já Fernando Haddad (PT) nasceu e cresceu no bairro do Planalto Paulista, na zona sul da capital. Ciro e Bolsonaro fizeram suas carreiras políticas em outros Estados. O primeiro se mudou para o Ceará aos cinco anos. O segundo saiu do interior de São Paulo após a escola e foi eleito para o Congresso no Rio.

A transição que espera o vencedor este ano guarda semelhanças com a de Rodrigues Alves (1902-1906), que teve, também eleitos, dois antecessores paulistas: Prudente de Morais (1894-1898) e Campos Sales (1898-1902).

A edição do Estado de 15 de novembro de 1902, data da posse, ressaltava a desaprovação popular a quem saía, Campos Sales. Sob o título “Outro Quatriennio”, o texto principal da primeira página do jornal o considerava “impopularissimo”. E traçava um cenário sombrio para quem assumisse:

“A lavoura, tanto no norte como no sul, está mais arruinada, o comercio mais paralysado, a industria em maior miseria, o numerario mais escasso, o credito mais retraido, a usura mais gananciosa e mais desenvolvida, o exercito mais desmantelado (.. ) a instrução mais ridicula, todas as molas da administração, emfim, mais gastas e mais perras”.

Causas
Para o professor de teoria política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira, a política do “café com leite”, que garantiu a alternância de paulistas e mineiros na presidência e na vice-presidência durante a República Velha (1889-1930), era símbolo da força paulista na vida nacional. “Apesar disso, há desinteresse histórico das elites econômicas de São Paulo no exercício, de fato, do poder político. Há resquícios disso até hoje”. Segundo ele, a derrota na Revolução Constitucionalista, em 1932, antecedida pelo golpe que impediu o paulista eleito Júlio Prestes de assumir a Presidência, levou ao afastamento da elite política de São Paulo do poder nacional.

O país ficou de 1906 a agosto de 1961 sem um paulista na cadeira da presidência da República. O período foi interrompido pelo então presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli. Ele assumiu o posto por menos de 15 dias, após a renúncia do presidente Jânio Quadros e a ausência do vice-presidente João Goulart, que estava em visita à China.

Mesmo sem um nome paulista no poder em todas essas décadas, São Paulo não ficaria afastado do eixo das decisões. “Quem quebra o ciclo de ausência de São Paulo, na verdade, é Jânio Quadros”, avalia Nogueira. Nascido em Mato Grosso do Sul, ele se elegeu governador, além de prefeito da capital do Estado duas vezes, antes e depois de assumir a Presidência.

O cientista político avalia que, mesmo com a ascensão de Jânio, a burguesia paulista “nunca teve grandes apetites na política”. O Estado equivale a 22% do eleitorado nacional, é o mais populoso, com 43 milhões de habitantes e o mais rico, produzindo quase 29% do PIB nacional.

A falta de interesse da burguesia, ou elite intelectual de São Paulo na política foi, segundo o analista, alterada com a eleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1994. Ele nasceu no Rio, mas fez carreira política e acadêmica em São Paulo.

O eixo do poder também permaneceu no Estado com a eleição do pernambucano Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. “Lula, assim como FHC, é da elite política e tem ligações fortes com a elite intelectual, mas não pertence à elite econômica”, opina Nogueira Na visão dele, a ex-presidente Dilma, mineira com carreira política no Rio Grande do Sul, quebrou o ciclo paulista, restabelecido com a ascensão de Michel Temer, seu vice.

Se a impopularidade do presidente atual coincide com a de Campos Sales, que deixava o poder em 1902, há diferenças consideráveis. Há 116 anos, uma das principais preocupações do eleito Rodrigues Alves era a imigração. Faltavam estrangeiros. A chegada deles havia caído a um terço em relação a 1895, quando 164 mil desembarcaram no Brasil. Embora houvesse pessimismo similar em relação às contas públicas – parte da impopularidade de Campos Sales se devia à obsessão por pagar dívidas -, a expectativa sobre o futuro governante dos 18 milhões de brasileiros, 1,2 milhão deles eleitores, era diferente.

No texto sobre a posse de 1902, o Estado descrevia um cenário de “quasi absoluta indifferença” sobre Rodrigues Alves. “Hoje, não dá para ficar indiferente. Por causa disso, o futuro presidente sofrerá uma crítica automática se fixar o olhar para o Estado de São Paulo, priorizando quem já tem mais privilégios”, analisa a professora de história contemporânea da Universidade de São Paulo (USP) Maria Aparecida de Aquino.

Prudente de Morais, presidente de 1894 a 1898 – o primeiro civil no cargo
O primeiro presidente civil do Brasil nasceu em Itu, em 1841. Eleito em 1894, na primeira votação direta, representava a oligarquia cafeeira paulista e era membro do Partido Republicano Federal (PRF). Conseguiu controlar a Revolta Federalista no Rio Grande do Sul (1893-1895) e enviou tropas para o nordeste, vencendo a Guerra de Canudos (1897), o que aumentou os gastos públicos. Para estabilizar o mercado, aumentou a emissão de moeda, estimulando a inflação. Sofreu um atentado a faca em cerimônia militar no atual Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. O ministro da Guerra, Carlos Machado de Bittencourt, morreu ao protegê-lo. Ao decretar estado de sítio, tirou força dos opositores e abriu caminho para levar as oligarquias ao poder.

Campos Sales, presidente de 1898 a 1902 – começa a ‘Era do Café com leite’
Nascido em Campinas em 1841, elegeu-se pelo Partido Republicano Paulista (PRP). Primeiro presidente a adotar o ajuste fiscal, seu mandato significou o triunfo das oligarquias estatais. Recebeu empréstimos ingleses de 10 milhões de libras, além de prazo estendido para pagar as dívidas externas. Conseguiu reajustar a economia com o aumento da exportação de borracha e garantiu superávit nas contas públicas. Criou novos impostos, sendo apelidado de Campos “Selo”, por ter criado o imposto postal. Estabeleceu e apelidou de política “café com leite” a alternância de paulistas e mineiros na presidência e vice-presidência das chapas, rompida em 1930. Conseguiu afastar os militares que ambicionavam a cadeira presidencial.

Rodrigues Alves, presidente de 1902 a 1906 – o último nascido em SP
Nascido em Guaratinguetá em 1848, foi eleito pelo Partido Republicano Paulista (PRP). Estabeleceu vacina obrigatória no Rio contra varíola, em parceria com o médico Osvaldo Cruz. A capital do país também sofria com febre amarela e peste bubônica Faltava saneamento, especialmente nos cortiços, que começaram a ser desalojados. Essa operação levou à Revolta da Vacina, em 1904. Na economia, o ciclo da borracha atingiu seu auge – 97% da produção mundial. Um dos mais ricos do país graças à cafeicultura, foi eleito de novo para a Presidência em 1918, mas morreu sem assumir. O mineiro Venceslau Brás chegou ao poder. O paulista seguinte a ser eleito, Júlio Prestes, seria impedido de assumir pelo golpe de 1930.

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