Sarah Santos, de 19 anos, sempre foi incentivada a estudar pela mãe, que nunca teve chance de fazer faculdade. “Primeiro, eu me esforçava para orgulhar minha mãe. Agora, é para realizar meus sonhos”, conta.
A principal meta da jovem era entrar na Universidade Federal do Ceará (UFC). Desse modo, separava cerca de duas horas para estudar por meio de apostilas preparatórias para o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) oferecidas pela prefeitura de Fortaleza. “Como estudava o dia todo num curso técnico, era bem desgastante. Mas a gente tirava o tempinho que tinha para revisar.”
A escola estadual onde fez o ensino médio, segundo ela, ajudou. Ela traçou um plano para melhorar os resultados dos alunos no Enem e organizava aulas aos fins de semana para revisar o conteúdo. Deu certo: entre os alunos de piores condições socioeconômicas, Sarah está entre os 293 que tiveram nota próxima às dos colégios de elite.
Entrou em Engenharia Ambiental na UFC, mas fez só um semestre, porque a carga horária integral a impedia de trabalhar e ela não se identificou tanto com o curso. Agora, faz Biomedicina com bolsa em uma faculdade privada. “Trabalho de dia como caixa de supermercado e estudo à noite. Estou me descobrindo nesse curso ”
Alisson Lopes, de 19 anos, também não ficou com a primeira opção Após se dividir entre o ensino médio, o curso profissionalizante e o estágio, o cearense conseguiu 708 pontos na prova federal (de mil possíveis). “Cheguei a ser aprovado em Medicina em outros Estados, mas não pude levar adiante por questões financeiras”, conta ele, que vive com os pais e três irmãos.
O adolescente trocou de curso, mas não saiu da área de saúde: é aluno de Odontologia da UFC. Ele atribui o bom resultado não só à grande carga de estudos diários, mas à vivência em sala de aula, com bons professores. “A rotina maluca do período integral também ajudou pela questão da resistência física e preparo psicológico, importantes para dois dias de prova”, diz.
Desafio
Quando prestou o Enem, a única renda da casa de Débora Ferreira, de 18 anos, era o salário do pai, auxiliar de serviços gerais. Dividida com a família, mal chegava a R$ 300 para cada um. Sempre aluna da rede pública, ela é de Ubajara (CE), cidade a 300 quilômetros de Fortaleza e com 32 mil habitantes. “Apesar de ter condições estruturais não muito boas, meu colégio tinha professores excelentes”, diz.
“Acordava às 6 horas para ir à escola, onde passava a manhã. Quando chegava em casa, só tinha tempo para almoçar e tomar banho antes de voltar a estudar. Depois eu saía novamente às 17 horas pra fazer o cursinho e só voltava às 23h30”, conta ela, que chegou a fazer 860 pontos em Redação. “Não esperava uma nota tão alta”, diz ela, hoje estudante de Enfermagem de uma universidade pública local.
Para Sabrina Gomes, de 19 anos, além de uma realização pessoal, o curso superior será uma oportunidade de ajudar os pais a melhorar de vida. De Itamarandiba (MG), a 465 quilômetros de Belo Horizonte, sua rotina na adolescência envolveu dias longe de casa. Para estudar para o exame, frequentava a biblioteca municipal e pegava emprestado o computador da prima para assistir a aulas online. A falta de internet em casa, diz, até ajudou, de alguma forma. “Acabaria dispersa nas redes sociais.”
Agora aluna de Odontologia de uma faculdade privada com bolsa federal de BH, mora na casa de conhecidos e recebe uma ajuda dos pais para se bancar. “A gente vai tentando contornar a situação”, diz.
Matéria do jornal O Estado de S. Paulo desta sexta-feira, dia 18, mostra que apenas um pequeno grupo de 293 alunos brasileiros que estudaram em condições extremamente desfavoráveis conseguiu ter nota no Enem 2017 equivalente à da elite dos colégios do País.