Parte de um grupo de 120 alunos de quatro escolas municipais de Guaratinguetá, interior de São Paulo, teve o acesso barrado ao shopping JK Iguatemi, na capital, quando chegou para visitar a exposição ‘Mickey 90 Anos’, na última segunda-feira, 18. A funcionária da ONG que promove a exposição disse que o shopping “é de elite” e impediu que os estudantes do interior tivessem acesso à praça de alimentação. Após a divulgação do caso, a funcionária foi afasta pela ONG Orientavida.
Era horário de almoço e as crianças, alunas da Escola Municipal Professora Francisca Almeida Caloi, pretendiam comer na Praça de Alimentação antes de ir à mostra, no 3.o piso do shopping. A escola atende crianças do bairro Pedrinhas, na zona rural do município e os alunos tinham ganhado a visita à exposição como prêmio pelo bom desempenho escolar. De acordo com a diretora Jozeli Gonçalves, uma mulher que se identificou apenas como Beatriz impediu a entrada no shopping alegando que a excursão tinha chegado antes do horário e não havia razão para ela passear com as crianças dentro de um shopping “de elite”.
Jozeli informou que a visita havia sido agendada e insistiu na entrada, mas a mulher resistia. “Eu tinha sob minha tutela 34 crianças, mas havia outras escolas, totalizando cerca de 120 crianças. Ela disse que não tinha como atender aquela demanda e sugeriu que fôssemos a uma lanchonete da esquina, ou ao Parque do Povo, um espaço público, pois nossa presença fora do horário agendado geraria problema a ela com os seguranças do shopping.” O impasse durou cerca de 20 minutos. Foi necessária a intervenção da Secretaria de Educação de Guaratinguetá para que o acesso fosse liberado.
A excursão foi previamente agendada com a ONG Orientavida, responsável pela exposição do Mickey. “Fomos antes do almoço porque as crianças queriam comer no Burguer King (rede de fast food) e os pais e professores tinham se mobilizado para que todas tivessem o dinheiro.”
Jozeli atua desde 2013 na rede municipal de ensino de Guaratinguetá e nunca havia passado por experiência semelhante. Ela conta que, num primeiro momento, não ligou o impedimento de acesso ao fato de ser negra. “Naquele momento, estava mais preocupada com as crianças. Só depois de ver que outras escolas entraram e alguns colegas me chamaram a atenção é que me dei conta de que foi racismo, segregação mesmo. Tínhamos, sim, alguns alunos negros no grupo e todos estavam com mochilas. Não tem como não levar isso em conta diante do que aconteceu.”
Ela conta que já levou os alunos a excursões em museus e shoppings da capital e nunca teve problemas desse tipo, mas diz que não condena o JK. “Recebemos pedidos de desculpas deles e o esclarecimento de que a senhora Beatriz seria na verdade uma funcionária terceirizada da ONG Orientavida. Gostaríamos muito que ela viesse a Guaratinguetá conhecer nossa escola. Trabalhamos com crianças de seis bairros rurais, com idades de 4 a 14 anos, da educação infantil ao fundamental 2. A gente se orgulha de ser uma escola sustentável e democrática. Pessoas, crianças e adolescentes têm o direito de ter suas necessidades atendidas.”
Depois de tornar público o episódio em redes sociais, a diretora recebeu muitas manifestações de apoio, mas também houve quem criticasse a dimensão dada ao caso. “Alguns não entenderam a profundidade da situação, falaram em vitimismo, oportunismo. Nós representamos também os filhos e netos deles. Toda criança, todo adolescente, jovem e adulto desse país tem garantido na Constituição o direito de ir e vir.” Jozeli espera que o caso não caia no esquecimento. “A gente precisa chegar ao foco disso. Esperamos que aquela pessoa (Beatriz) fale a respeito, se agiu por conta própria ou recebeu alguma ordem. Estamos na fase de averiguação para saber quais medidas podem ser tomadas.”
O prefeito de Guaratinguetá, Marcus Soliva (PSB), lamentou a “absurda discriminação” sofrida pelos alunos do município em local de acesso público. Ele disse que o shopping tem a obrigação de apurar o que aconteceu, já que hospeda o evento ao qual as crianças se dirigiam. A Secretaria de Educação do município informou que repudia qualquer forma de discriminação e continua acompanhando e apoiando educadores e alunos nas providências que forem necessárias.
O JK Iguatemi informou em nota que a exposição é organizada pela equipe da Orientavida e solicitou à direção da ONG que reforce o treinamento de sua equipe de recepcionistas do evento. “O empreendimento reforça que não compactua com a atitude tomada pela colaboradora da mostra e ressalta que trabalha continuamente para que todos os clientes sempre se sintam acolhidos e bem-vindos”, diz a nota.
A Ong Orientavida, responsável pela exposição do Mickey, divulgou nota informando ter desligado a colaboradora após ter conhecimento do fato, que considerou isolado e pontual. “A entidade reforça ainda que todos são bem-vindos na exposição e reitera que, a partir do momento que teve conhecimento do caso, tomou as medidas necessárias para que tal situação não mais ocorra”. A Orientavida informou que se dedica há 20 anos a projetos de inclusão e que não compactua com com qualquer ato de discriminação. Nenhuma das partes forneceu contatos da mulher conhecida como Beatriz que teria barrado a excursão.