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‘Albatroz’ e a terceira via como saída

Tudo começou há cinco anos, em 2014. Daniel Augusto estava em Portugal com Carolina Kotscho e o marido dela, o roteirista Bráulio Mantovani, para apresentar Não Pare na Pista – A Melhor História de Paulo Coelho, sua biografia do parceiro de Raul Seixas e autor de O Alquimista. Augusto conhecia Mantovani superficialmente. Um dia, Carol tinha de trabalhar e os dois foram conhecer a casa de Fernando Pessoa, em Lisboa (estavam numa cidade próxima). Aproveitaram para conversar. Augusto confessou que gostaria de fazer um filme capaz de desafiar interpretações. Citou Estrada Perdida, de David Lynch. Mantovani interessou-se.

Ao cabo de um ano, enviou um roteiro. Seguiram trocando ideias. Mantovani escrevia, Augusto o problematizava. Com seu prestígio de grande roteirista, Mantovani conseguiu levantar a produção. O filme foi feito. Estreou na quinta passada, dia 7 – Albatroz. Demência pura. Qualquer pessoa que tenha lido as críticas, no dia do lançamento, terá encontrado um motivo (mais um) para crer que esse país enlouqueceu. Onze entre dez críticos – a unanimidade! – admitiram não haver entendido nada. Mas por um raciocínio perverso – o cinema brasileiro está dominado pelas sequências e biografias -, a “crítica” achou-se na obrigação de apoiar Albatroz.

Há um cinema brasileiro autoral e independente. Estreia logo Elegia de Um Crime, o longa de Cristiano Burlan sobre o assassinato da mãe dele. Será um dos melhores filmes do ano, como outro filme de Burlan, Antes do Fim, com Jean-Claude Bernardet e Helena Ignez, foi um dos melhores do ano passado. Dia 30 começa a Mostra Aurora em São Paulo, no Cinesesc. Só filmes autorais e independentes, e grandes. Não servem. São filmes miúras. Os críticos estão falando em filmes globais. Albatroz tem mais astros e estrelas que qualquer novela das 8, a maioria em participações especiais. Pediram para estar no filme – “Os atores também reclamam da mesmice. Todos queriam estar no filme ‘diferente’, exigente”, conta o diretor.

Há controvérsia, claro, mas Albatroz talvez ficasse melhor com atores desconhecidos, ou não profissionais. Só faltou Fernanda Montenegro numa participação relâmpago, servindo cafezinho no laboratório. Daniel Augusto cai na risada. Ele conta que tem na estante uns cinco livros que propõem diferentes interpretações de Estrada Perdida. Nenhum bate com o outro. A ideia era essa – ousar, desafiar a compreensão. De cara, Alexandre Nero, como Simão, está na direção de um carro, levando a mulher – Maria Flor – para o hospital. Ela está ferida, sabe-se lá por quê, e Nero repete, “Não durma!”. Há um acidente, ele acorda no hospital, a mulher sumiu. Entra em cena Andréa Beltrão, que diz que ele tem de pegar o último trem para Albatroz, se quiser reencontrar a mulher. Andréa escreve um livro – sobre assassinato – envolvendo Simão. É investigada pelo policial Gustavo Machado.

A narrativa abre-se em espiral. Simão é fotógrafo. Tirou uma foto premiada – um terrorista em Jerusalém -, mas essa foto também gera polêmica. Por que, em vez de clicar, ele não impediu a ação do terrorista? “É muito interessante, porque, nas sessões de Albatroz para o público e a imprensa, ouço muito as pessoas falarem no clima de sonho. É real, é imaginário?” O onirismo, sonhar acordado, está na origem do cinema, que é, vale lembrar, contemporâneo da interpretação dos sonhos de Sigmund Freud. O repórter acrescenta sua interpretação – o filme só faz (algum) sentido quando vira teoria da conspiração e Simão é forçado por Marcelo Serrado, naquele telão, a disparar contra o palestino e o judeu, e atinge a própria mulher. A referência parece óbvia demais a Sob o Domínio do Mal, o cultuado thriller político de John Frankenheimer, de 1962, refilmado por Jonathan Demme em 2004.

Bingo! “Embora mais secreta, você foi o único que assinalou. Foi a segunda grande referência a nos nortear em Albatroz. Cheguei a pensar em colocar um pôster, mas ficaria muito óbvio”, diz o diretor. No fim, tudo vira metalinguagem – um filme dentro do filme, uma projeção. Nenhuma novidade para quem conhece a obra de Daniel Augusto. Desde os curtas, ele foi sempre atraído pela metalinguagem. Mas, embora bem feito – fotografia de Jacob Solitrenick, um luxo -, o filme tem uma verdade humana desse tamaninho. Tolice da crítica pensar que o formalismo possa ser a terceira via para o cinema brasileiro.

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